Polícia honesta de "Operações Especiais" é como uma fábula, diz diretor
Imagine uma polícia incorruptível. Três abnegados funcionários de caráter ilibado e um delegado que se recusa a receber propinas, rejeita a violência como forma mais eficaz de abordagem e que simplesmente prefere pedir as contas a ter de vender a alma às milícias cariocas. Não se assuste, mas ela existe --ao menos na ficção-- e comanda a trama de “Operações Especiais”, filme de ação dirigido por Tomás Portella que estreia na próxima quinta-feira (15), com Cléo Pires como protagonista.
A história, um grupo de elite da Polícia Civil do Rio que é deslocado para o interior do Rio de Janeiro pós-ocupação do Complexo do Alemão, é apenas o pano de fundo para uma questão quase filosófica. “Como seriam se a gente tivesse uma polícia suíça? Honesta, que não batesse. Mudaríamos nossa atitude? Seguiríamos isso e pararíamos de cometer as pequenas corrupções do dia a dia?”, pergunta retoricamente à reportagem do UOL Portella, para em seguida rechaçar eventuais leituras moralistas do longa.
Uma via natural, ele reconhece, em tempos de protestos políticos e radicalização de discursos. “Tenho medo que as pessoas não entendam o que a gente está falando. A gente não diz que toda polícia é honesta. A gente usa a polícia como um trampolim para falar da sociedade", afirma. "Não questionamos se nossa polícia é honesta. É como se fosse uma fábula", completa o diretor, que diz estarmos em boa hora para mostrar o "outro lado" policial, instigando o debate.
Mas que lado é esse? O UOL fez essa pergunta ao elenco do filme, que não se mostrou em cima do muro. Embora nem toda polícia seja honesta, um fato, é importante mostrar as matizes da questão, o que necessariamente não passa por vangloriar o militarismo ou tirar "selfie" com policiais em manifestações.
Veja abaixo o que eles responderam.
Cléo Pires (a inspetora/policial Francis)
"Passamos por um treinamento de duas semanas na Acadepol [Academia de Polícia Civil]. Depois, tivemos um acompanhamento dos policiais na produção. Eu andava com um pó protetor para o rosto, e parecia que eu estava usando maquiagem, mas era só um pó. Quando a gente suava na academia, eu tirava o pozinho e passava, para não ficar cheia de mancha. Até sofri umas zoações de leve (risos) com isso, mas eles foram muito respeitosos o tempo todo. Foi um esforço físico grande, mas adorei. Acho que muitas vezes a gente não tem ideia do trabalho que é feito ali, de tudo que eles precisam fazer, e a gente pôde perceber que não existe só polícia corrupta, só vilão e mocinho. É o que acontece. Não vejo um moralismo no filme."
Thiago Martins (o policial Roni)
"Lembro muito da gente sentado nas carteiras, nas mesas, as explicações deles. De como desmontar a pistola. Uma vez cheguei atrasado e tive de fazer flexão na frente de todo mundo. Claro, tinha uma preparação para o filme, um cuidado especial, mas eles tratavam a gente como alunos normais. Tomei esporro. Mas foi legal, importante. Eu cresci no Vidigal [favela da zona sul do Rio], e, como todos lá, com a experiência que tive de sociedade, me aproximando de pessoas, cresci perto do tráfico e enxergando policial como bandido. Mas existe, sim, polícia honesta, como em qualquer outro setor da sociedade. Alguns viraram meus amigos. São super honestos. Fazer esse filme me ajudou a mudar a forma de pensar."
Fabrício Boliveira (que interpreta o policial Décio)
"Não vejo o filme com intenção moralista, ou maniqueísta. E nem o resultado como uma apologia à polícia. O filme traz um trato diferente sobre como a polícia é mostrada no cinema, na televisão. Vejo como uma possibilidade de uma nova realidade. Ou de uma polícia que existe e a gente não enxerga tanto, pelo que é imposto por muitas pessoas. Minha preparação foi benéfica para perder todo o tipo de preconceito. Eu estive lá dentro, e consegui ver que existe uma média. Existem pessoas sérias que querem trabalhar. Acho que é um bom espaço para discussão, pois o filme mostra muita contradição."
Antonio Tabet (o vilão Toscano)
"Não tem nada de moralista no filme. Muito pelo contrário. O que ele faz é justamente colocar o dedo na ferida. É, ao mostrar uma polícia honesta, como se perguntássemos a nós mesmos se continuaríamos cometendo as mesmas pequenas corrupções de sempre. Como o próprio Portella já falou, a gente fura fila, a gente falsifica a carteirinha de estudante para pagar meia-entrada, a gente burla as regras do trânsito sistematicamente. Querendo ou não, nós somos corruptos no dia a dia. E, provavelmente, reclamaríamos do mesmo jeito de uma polícia 100% honesta, assim como fazemos com a corrupta."
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