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Diversidade é tema em comum entre nova geração de cineastas brasileiros

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

03/11/2015 07h00

A diretora da Mostra de Cinema de São Paulo, Renata de Almeida, costuma dizer que o festival paulistano é uma chance de ver, em apenas duas semanas, o que se está produzindo no mundo. Também é uma boa oportunidade de saber quem é a nova geração de cineastas brasileiros e o que eles estão abordando.

Na edição deste, o evento traz pelo menos dez diretores que ganharam destaque recentemente no Brasil e em festivais internacionais, como Anita Rocha da Silveira (por "Mate-Me Por Favor"), Filipe Matzembacher e Marcio Reolon ("Beira-Mar"), Pedro Morelli ("Zoom") e Gabriel Mascaro ("Boi Neon"). De cidades, trajetórias e visões diferentes sobre o cinema, há pelo menos uma coisa que os une: a diversidade, consequência de uma maior liberdade autoral.

A carioca Anita, 30, que traz seu primeiro longa para Mostra depois de ser premiada em Veneza, disse que hoje em dia sente uma aceitação maior a temas variados do que em relação ao começo da sua carreira, em 2008. "Quando lancei meu primeiro curta ['O Vampiro do Meio-Dia'], algumas pessoas me criticaram por eu não falar sobre a pobreza. Disseram que havia temas mais relevantes, como se eu fosse alienada por falar de sexo e juventude. Hoje a liberdade temática é maior".

Apropriação dos jovens

Para o gaúcho Filipe Matzembacher, 27, que dirige "Beira-Mar" com Marcio Reolon, 30, a nova leva de diretores toma para si assuntos da juventude que estavam nas mãos de pessoas pouco íntimas do assunto. "Quando éramos adolescentes, tínhamos muita dificuldade de encontrar filmes que retratassem a juventude com seriedade e não de maneira nostálgica, idealizada, supercolorida. Por isso, tivemos a urgência de fazer esse filme agora, para que também não mudássemos o olhar sobre as coisas de hoje".

Quando éramos adolescentes, tínhamos muita dificuldade de encontrar filmes que retratassem a juventude com seriedade e não de maneira nostálgica, idealizada, supercolorida
Filipe Matzembacher

"Beira-Mar" narra o encontro de Martin (interpretado por Mateus Almada) e Tomaz (Maurício José Barcellos), dois amigos adolescentes que decidem "sair do armário". Além da parceria na direção, Filipe e Marcio também são um casal, que teve uma adolescência parecida no Rio Grande do Sul. "É bem mais interessante quando você pode falar com propriedade sobre um assunto, porque senão pode parecer meio exploratório ou até deslocado".

Microcosmo pernambucano para o mundo

Prova dessa liberdade de temas é o pernambucano Gabriel Mascaro, que em seu segundo longa de ficção discutiu gênero entre um grupo de trabalhadores de uma vaquejada no sertão pernambucano. A partir de um microcosmo bastante regional, "Boi Neon" ganhou prêmios e menções nos festivais de Veneza, Toronto e Hamburgo. Aos 32 anos, Mascaro já não é iniciante: ele tem seis documentários lançados, mas foi a partir de 2012, com "Doméstica" e "Ventos de Agosto", que começou a ganhar mais destaque nos festivais.

"Se tem uma coisa específica que esteja acontecendo hoje [no cinema brasileiro] é a diversidade", disse Mascaro. Para ele, a ideia era pensar em um Nordeste sem nenhum resquício do imaginário e isso casou muito bem com boa parte da equipe vinda de outros países, como Uruguai, Holanda e México. "'Boi Neon' desvincula uma imagem histórica de que estamos associados a um lugar de desertificação, fome, miséria. É um olhar suspenso".

Pedro Morelli também salienta a liberdade que teve para fazer "Zoom", mesmo tendo sido convidado pelo canadense Niv Fichman para tocar o projeto. "Conheci o Niv quando fui estagiário em 'Ensaio Sobre a Cegueira' (2008). Dois anos depois, ele me procurou e disse que estava querendo trabalhar com novos diretores. Queria frescor e uma pegada jovem. Por isso deu muita liberdade para criar".

Liberdade com responsabilidade

Tanta liberdade, no entanto, tem que ser usada com sabedoria, segundo Morelli. "São pelo menos cinco anos da sua vida dedicados a um assunto. Claro que no meio disso é possível fazer outras coisas, como séries de TV, para dar uma respirada. Você tem que ter muito tesão pelo filme e motivar a equipe, senão não funciona”.

Mascaro também rodou seu longa anterior, "Ventos de Agosto", no meio da produção de "Boi Neon". "Fiz o 'Ventos' para quebrar uma expectativa minha mesmo. Quis fazer uma coisa rápida, sem muita complicação, sem expectativa, sem muita gente". Filipe e Márcio pensam com calma no próximo projeto. "Ainda está em desenvolvimento, mas já sabemos que queremos abordar novamente o universo jovem".