"Documentário sobre 'Cidade de Deus' não é entretenimento", diz diretor
O antes e depois do elenco de "Cidade de Deus" (2002), um dos filmes mais emblemáticos desde a retomada do cinema nacional, e que revelou nomes como Alice Braga e Seu Jorge, acaba de chegar aos cinemas por meio de um documentário.
Dirigido por Cavi Borges e Luciano Vidigal, em parceria com o Canal Brasil, "Cidade de Deus - 10 Anos Depois" resgata relatos de sucesso, ostracismo e de tragédias vividas pelos atores --apenas metade dos cerca de 30 artistas continua atuando. São histórias de vida calejadas e reais, que naturalmente despertam o interesse, mas que, por pouco, não puderam ser lançadas.
Por motivos de edição (foram 200 horas de filmagens) e dificuldades no financiamento da distribuição, o longa só pôde ser lançado comercialmente em 2015, depois de dois anos rodando por mais de 60 festivais. Para Borges, no entanto, o atraso não interfere na atualidade da narrativa.
"É um filme que se propõe à discussão, para a pessoa sair do cinema e pensar. Não é entretenimento. O filme fala do racismo, das dificuldades de viver da arte do Brasil. Problemas que continuam", diz Borges. "Lançar ficção no cinema já é difícil. Documentário, mais ainda. Até achamos que não fôssemos mais lançar no cinema, que ele iria dos festivais para as as TVs."
A garantia do lançamento no circuito comercial só veio há um ano, após o projeto vencer um edital de distribuição do Fundo Setorial do Audiovisual no valor de R$ 200 mil. No ano que vem, o documentário começará a ser exibido em 110 países via iTunes.
"O Cavi abriu uma distribuidora pensando em filmes independentes brasileiros. Aí a gente conseguiu reunir útil ao agradável, com a distribuidora e vencendo o edital. Não é fácil fazer cinema no Brasil", afirma Luciano Vidigal, que trabalhou como estagiário de produção do elenco do filme original de Fernando Meirelles.
Destinos díspares
Luciano, que mora na favela do Vidigal, acompanhou de perto as histórias de sucesso e superação mostradas no filme, como a de Eduardo BR, que antes de "Cidade de Deus" chegou a ser traficante e hoje é cineasta, dono da própria produtora no Rio.
Mas não faltam destinos trágicos. O ator e músico Jonas Michel, por exemplo, fez parte da turma do bandido Zé Pequeno e morreu esfaqueado em 2006 pelo ex-marido da namorada. Já Jefechander Suplino, o bandido Alicate do Trio Ternura, desapareceu em 2011 após se envolver com narcotráfico, e Rubens Sabino Silva, o Neguinho, encontrado em abril deste ano vivendo na cracolândia, em São Paulo.
"Eu acompanhei todos eles de perto e vejo três grupos muito claros. Um é o da galera que é muito talentosa, que corre muito atrás, mas encontra dificuldades em um mercado audiovisual muito preconceituoso e racista. Há também os que tiveram histórias trágicas, infelizmente. E tem a grande minoria, que obteve sucesso", afirma Vidigal.
Mesmo para alguns, que não seguiram a profissão, a experiência [da ONG Cinema Nosso] reforçou a autoestima. Mas, infelizmente, nem todos conseguiram escapar do destino dos seus personagens
Fernando Meirelles, sobre o destino do elenco de "Cidade de Deus"
"A gente chegou a conclusão, vendo o filme, que os atores que têm uma estrutura familiar ou uma pessoa para botar o pé deles no chão, para dizer que eles não eram os fodões e que tinham que estudar para aproveitar as portas que se abriram com o filme, conseguiram se dar bem", entende Borges.
O cineasta Fernando Meirelles, que preferiu não participar do documentário, sob pena de "ser visto com chapa branca", pensa parecido. "Na ONG Nós do Morro, o Guti Fraga [criador do grupo] não passava apenas conhecimento relativo à profissão de ator, mas também dava uma bela estrutura mental que ajudou muitos a manterem o foco", contou ele ao UOL.
"Depois do filme foi criada ainda uma ONG chamada Cinema Nosso, que até hoje é tocada por ex-atores do longa. Manter uma ligação com este grupo foi também muito importante e estruturante para muitos garotos. Mesmo para alguns, que não seguiram a profissão, a experiência [do filme] reforçou a autoestima. Mas, infelizmente, nem todos conseguiram escapar do destino dos seus personagens."
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