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Com Lázaro Ramos, sessão em Heliópolis teve público que nunca foi ao cinema

Carlos Minuano

Colaboração para o UOL, em São Paulo

08/11/2015 10h26

"Eu nunca fui ao cinema", contou a pequena Jéssica Cristina, de sete anos, com um sorriso largo no rosto, enquanto pedia para a mãe ficar mais um pouco na sessão gratuita do filme "Tudo que Aprendemos Juntos", na favela de Heliópolis, neste sábado (7). A sessão, que fez parte da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, contou com a chuva como coadjuvante.

Mas o tempo ruim não espantou o público, que lotou a exibição e se virou como deu para ver o longa do baiano Sérgio Machado, que por onde passa toca o público.

Protagonista do filme, Lázaro Ramos passou o dia em um vai e vem entre Higienópolis e Heliópolis. Mas o ator deu conta do recado e afirmou, no fim do dia, ao UOL: "Baiano é trabalhador". Reconhece, porém, que passou da conta. "Foi o dia que mais trabalhei em minha vida", disse.

"Só em cima da hora vi que estava tudo agendado para o mesmo dia", comentou o ator. A agenda agitada de Lázaro em São Paulo começou logo cedo, às 10h da manhã, autografando o livro infantil “Caderno de Rimas de João". Depois, seguiu até fim da tarde gravando, no Teatro Faap, em Higienópolis, seu programa para o Canal Brasil. Em seguida, saiu correndo para a favela de Heliópolis, apresentar a sessão ao ar livre do seu filme, agendada para às 19h30.

Na comunidade, brincou de maestro com a Orquestra Sinfônica Heliópolis. De lá, pouco antes da exibição, correu de volta para o Teatro da Faap, onde o ator está em cartaz com a peça "O Topo da Montanha" com sua esposa, Thais Araújo.

Mas, mesmo sem Lázaro na exibição, a sessão de "Tudo que Aprendemos Juntos" foi marcante para os muitos moradores de Heliópolis, que sequer sabiam que ele esteve algum dia por lá. "Desde a primeira vez que assisti esse filme senti que conversaria com o público", comentou Renata de Almeida, mulher à frente da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde o filme conquistou o prêmio de Melhor Filme no Júri Popular, na noite do encerramento, na última quarta-feira.

A simpatia com o longa, no caso de Heliópolis, de certa forma era previsível. A história mostra uma realidade muito próxima de todos ali na plateia. Tem a violência, a pobreza e as muitas cruentas dificuldades, mas a protagonista da história é a esperança, conduzida pela música e pelo afeto.

O personagem principal é Laerte, vivido por Lázaro Ramos, um violinista, que depois de fracassar numa tentativa de integrar a Osesp, termina dando aulas de música em uma escola na favela, cercada por pobreza e violência.

O filme é inspirado na história real da formação da orquestra de Heliópolis, e na peça "Acorda Brasil", de António Ermírio de Moraes, mas teve outros ingredientes cativantes. "Misturei histórias da comunidade", disse o diretor do filme, que teve também uma exibição na Sala São Paulo, na semana passada.

"É o filme mais importante da minha carreira, principalmente pela compreensão que eu tenho daquele universo, e por ter sido um daqueles meninos”, disse Lázaro.

Cinema na periferia

A carência de cinema em regiões periféricas estava estampada no rosto das pessoas de todas as idades, que assistiam entusiasmadas e perplexas ao filme. Presente na exibição, Alfredo Manevy, presidente da Spcine, agência de cinema paulista, que apoiou a exibição, aproveitou a ocasião para confirmar o lançamento de um projeto que espera mudar essa realidade, não apenas em Heliópolis.

"Vamos levar cinema a todas as regiões de São Paulo", disse ao público. Ele se referiu ao projeto Circuito Spcine, que vai inaugurar em janeiro 20 salas de cinema nas periferias. "Não basta produzir, é preciso tornar o cinema brasileiro acessível para o público", disse Manevy.