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Ignorado pelo Oscar, roteirista de "Steve Jobs" pensou no filme como peça

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, em Londres

14/01/2016 19h30

Com duas importantes indicações ao Oscar 2016 --Kate Winslet como atriz coadjuvante e Michael Fassbender como ator--, "Steve Jobs", a boa cine-bio dirigida por Danny Boyle, chega nesta quinta-feira (14) aos cinemas brasileiros. O roteiro de Aaron Sorkin, premiado no Globo de Ouro, foi ignorado pela Academia de Artes de Hollywood, mas Sorkin é a alma do projeto e quem mais lutou para levar para a tela a adaptação do livro homônimo do jornalista e escritor Walter Isaacson.

Fassbender, um alemão-irlandês de 38 anos, não é exatamente um clone do fundador da Apple, mas há momentos em que, se o espectador não coçar bem os olhos, acreditará estar vendo na tela, com camisa rolê, óculos de aros claros e calça jeans, o próprio Steve Jobs (1955-2011) redivivo. Já Winslet encarna Joanna Hoffman, um Sancho Pança do quixotesco Jobs e único personagem capaz de lhe dizer duras verdades e seguir a seu lado.

"Steve Jobs" não é o primeiro produto criado pela indústria cultural após a morte do homem. Nas palavras de seu ex-sócio, ex-amigo e ex-confidente Steve Wozniak (vivido por Seth Rogen) --um dos contrapontos cruciais do filme de Boyle--, Jobs jamais foi um designer, um engenheiro ou mesmo um especialista na linguagem da informática e se tornou um dos nomes mais importantes do panteão do mundo maravilhoso dos computadores. Nos últimos quatro anos, o mercado foi bombardeado com uma outra biografia de peso, uma outra cine-bio (com o improvável Ashton Kutcher no papel-título) e um documentário.

Aaron Sorkin - Gary Hershorn/Reuters - Gary Hershorn/Reuters
Aaron Sorkin premiado com Oscar por "A Rede Social"
Imagem: Gary Hershorn/Reuters


O livro de Isaacson foi o único liberado por Jobs, ainda em vida, e serve de base para o roteiro tipicamente "sorkiano", com diálogos na linha de "West Wing: Nos Bastidores do Poder" ou "Newsroom", duas de suas mais notórias séries televisivas. "O aspecto teatral do filme talvez vindo do fato de eu ficar mais confortável nos palcos do que nas salas de cinema. Daí o foco nos diálogos. Eu vi 'Quem Tem Medo de Viriginia Wolf?' quando tinha nove anos. Amava o som daqueles diálogos, embora não fosse capaz de entendê-los de fato. O ritmo, para mim, é tão importante quanto o significado das palavras. Antes de filmar, eu leio alto em casa todos os diálogos de todos os papeis. Para mim, é como música", disse Sorkin em um encontro com jornalistas, em Londres.

O filme se passa quase que totalmente em ambientes fechados, em uma repetição nada cansativa de apresentações de novos produtos imaginados --destinados ao sucesso ou ao fracasso-- por Jobs, de 1984 até a reconciliação com sua filha, inicialmente por ele não-reconhecida, em uma narrativa que mescla os dramas de sua vida pessoal com os da profissional. "Eu queria fugir da cine-bio tradicional, do nascimento à morte com os hits no meio. Pensei em uma estrutura de peça mesmo: são três longos atos, ou longas cenas, em espaços claustrofóbicos, com muitas cenas de backstage, por detrás dos lançamentos dos produtos mais icônicos de Jobs", contou o roteirista.

Sorkin afirmou que o aspecto mais complexo de "Steve Jobs" foi levar para a tela a complexa relação de Steve com sua filha mais velha, Lisa Nicole, o centro dramático do filme. "Tenho uma filha, e chegou um momento em que pensei: 'se ele trata a filha dele deste jeito, por que continuar com este filme?' Nada é tão importante quanto esta relação. E foi a Lisa real, com quem estive junto bastante, que pude ter uma dimensão mais clara desta relação".

O outro complicador, segundo Sorkin, foi a relação de Jobs com Wozniak. "Eu simplesmente não entendia como ele poderia ser considerado um gênio quando era, como pontua o personagem no filme, incapaz de entender muitos aspectos de suas próprias criações. Saí perguntando para as pessoas a mesma questão: 'afinal de contas, o que Steve fez?'. E a resposta mais comum me deu o tom do filme: 'Steve', eles me disseram, 'era o condutor da orquestra. E o homem capaz de inserir em produtos destinados ao consumo das massas uma carga emocional única. Ele ofereceu a ideia de que deveríamos ter, por exemplo, uma relação emocional com nossos iPhones. Daí as pessoas acamparem por dias a fio do lado de fora da Apple Store esperando por novos lançamentos'. Isso é puro Steve".