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Zebra no Oscar, Cranston dá nova virada e põe ponto final em Walter White

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, em Los Angeles (EUA)

26/01/2016 06h00

Dos cinco candidatos ao Oscar de melhor ator este ano, Bryan Cranston é, de longe, a maior - e muito provavelmente a mais querida - zebra. Às vésperas de completar 60 anos, o ator nascido em Hollywood é celebrado por seus pares tanto pela impressionante atuação em “Trumbo - Lista Negra”, a partir desta quinta-feira (28) nos cinemas brasileiros, quanto por uma carreira que parece virar de ponta cabeça a cada década.

Na virada dos 40, ele se tornou figura carimbada da TV ao viver o pai amalucado da comédia cult “Malcom”. Aos 50, foi a vez de entrar em contato com o professor de química transformado em perigoso traficante na cultuada serie “Breaking Bad”, que modificou para sempre seu status na indústria do entretenimento. “Walter White me abriu todas as portas possíveis e outras mais. Mas para os fãs ainda esperançosos com a produção de um filme a partir da série, só tenho a dizer que, por mim, não rola. Esta história teve início, meio e fim. E ponto final”, diz.

A conversa com o UOL - nos domínios da Dreamworks, onde Cranston conferiu pela primeira vez algumas das cenas de “Kung Fu Panda 3”, com estreia no Brasil na primeira semana de março -, se deu antes da confirmação de sua indicação para o Oscar, dada como certa nos corredores de Hollywood. “Mas não vou entrar nesta conversa. Não posso, né? Ficaria bobo, ou pretensioso”, disse o ator.

Cranston não precisa falar bem de si mesmo. A decisão de abraçar os mais díspares personagens é seu melhor cartão de visitas. A história de Dalton Trumbo (1905-1976), por exemplo, é capítulo crucial, ainda que igualmente vergonhoso, da história de Los Angeles. Seu personagem é o roteirista de “Spartacus” (1960) e “Papillon” (1973), de gênio difícil, pouco avesso à discrição e uma das vítimas mais emblemáticas da caça aos esquerdistas no cinema promovida pelo senador republicano anticomunista Joseph McCarthy (1908-1957).

Indicado a três Oscar, e vitorioso em dois deles - por “A Princesa e o Plebeu”, em 1954, e “Arenas Sangrentas”, em 1956, quando teve de usar pseudônimos -, Trumbo é, nas palavras de Cranston, “um personagem maior que a vida, e sua história merece ser revisitada neste momento, especialmente por representar a possibilidade de censura aos direitos civis no berço da democracia moderna nos EUA do século 20”.

Quem o escuta assim, quase tão eloquente quanto a maioria de seus personagens, pode achar fora de lugar seu novo mergulho no mundo das animações. Tolice. O ator encara o panda Li de "Kung Fu Panda 3", o elo perdido do protagonista Po (Jack Black) com suas raízes, com a mesma profundidade com que tratou do presidente americano Lyndon B. Johnson, seu primeiro personagem depois do encerramento de “Breaking Bad”. Depois de uma temporada de sucesso na Broadway, coroada com um Tony de melhor ator para Cranston no ano passado, o espetáculo foi adaptado para a televisão pelo mesmo Jay Roach responsável pela direção de “Trumbo” e estreia ainda este ano na HBO.

Breaking Bad - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

'Breaking Bad' teve um fim tão satisfatório que seria um equívoco enorme [transpô-la para o cinema]. Não quero voltar jamais àquela história, não quero que ela continue. Ela teve começo, meio e fim. Teve ponto final. Não tem como revivê-la. Podemos deixá-la lá?
Bryan Cranston



Abaixo, os melhores trechos da conversa do UOL com o camaleão de Hollywood.

UOL - Não há como não fugir do tópico. O que o senhor acha de toda esta a conversa sobre uma indicação ao Oscar por conta de “Trumbo - Lista Negra”?
Bryan Cranston -
É tudo muito emocionante para mim, como você pode imaginar, e entendo que você precise escrever sobre isso, mas eu não posso fazer parte desta conversa diretamente, né? Fica feio. Adoro atuar e tive oportunidades incríveis recentemente, especialmente por conta de “Breaking Bad”, mas se eu falar sobre a corrida do Oscar vai ficar bobo, ou, no mínimo, pretensioso.

O que o levou a dizer sim para viver Dalton Trumbo?
Quando li o roteiro do John McNamara, imediatamente percebi a importância histórica do tema. E a de se fazer neste momento um filme sobre a perda das liberdades civis nos Estados Unidos. E ainda há o fato de Trumbo ser um personagem delicioso, um extravagante. Sentamos os três, eu, o John e o diretor Jay Roach e fomos construindo, juntos, o Trumbo que chegou à tela. Foi uma das experiências mais sensacionais da minha carreira de ator, mas preciso dizer que, exatamente como em “Breaking Bad”, “Malcolm” e “All The Way”, o que mais me interessa é o meio, o processo. Sempre.

Os ensaios?
Sim, os ensaios também, mas estou pensando no processo de reconstrução do personagem como um todo, feito pela equipe criativa que você, público, verá no fim.

Mas a reconstrução do personagem sempre acontece?
Inevitavelmente, comigo, funciona assim: leio o roteiro, apareço com uma ideia e reconstruo tudo. Isso é o que me fascina no atuar! Até as brigas eu gosto (risos). Juro! Frustração artística é a semente de qualquer trabalho de sucesso. O que não curto é malcriação. Aí, não. Conversa, argumentação, discussão intelectual me movem. A que horas você precisa acordar, se o seu trailer é grande o suficiente, e a que horas vamos terminar as filmagens ou ensaios não me interessam nem um pouco. Jamais achei que atuar fosse um trabalho das nove às cinco. O barato é se deixar consumir pela criação. E apreciar esta sensação.

Foi o mesmo raciocínio que o levou a se juntar à trupe de “Kung-Fu Panda”?
Quando me convidaram, honestamente, ainda não havia visto os dois primeiros filmes. Mas fui bem claro, se não gostasse do que veria, não iria fazer. E não é que eles toparam a condição? Resultado: acabei me vendo poucas semanas depois elaborando o perfil do panda-pai, pensando a fundo na minha relação com o personagem do Jack (Black), e me divertindo loucamente. No fim, para mim, o importante é a história que vou ajudar a contar. Não importa o aparente grau de sofisticação dela. Pode ser sobre o presidente Lyndon B. Johnson e a política mundial, pode ser sobre Hollywood e a lista negra contra os esquerdistas, pode ser a descoberta do seu lugar no mundo.

Na televisão, o senhor se notabilizou tanto em comédias como “Malcom”, quanto em dramas como “Breaking Bad”. No cinema e teatro, podemos ver o senhor em “Trumbo”, em “All the Way”, se juntando agora à trupe do “Panda”. A escolha de seus projetos é feita com a decidida intenção de surpreender o público?
Não vou dizer que não há uma linha de pensamento nesta direção, quando possível. Decididamente prefiro que as pessoas não pensem em mim como “um ator que faz bem aquele determinado papel” ou como uma "personalidade da mídia". Meu desejo é ser um ator completo, exatamente como todo mundo quer ser uma pessoa completa. Não quero ser sempre o engraçadinho, ou sempre o ingênuo, ou mesmo sempre o intenso. Quero tudo ao mesmo tempo agora.

E o que exatamente o senhor queria ser quando topou atuar em “Godzilla”? (risos)
Veja, eu fiz “Godzilla” pela razão mais simples do mundo: era um fã desde criança. Foi um sonho realizado. Já “Breaking Bad” me ganhou pela maravilha dos diálogos. Houve uma época em minha vida em que só queria fazer coisas densas com grande significado cultural ou moral, hoje reconheço o valor do escapismo e do entretenimento puro. Há lugar para os dois dentro de mim. E se sinto um certo medo de fazer algum personagem, como foi o caso de “Trumbo”, por conta de sua importância emblemática, de sua representação de um tempo específico e da opressão ao fazer artístico por questões ideológicas, então sei que devo fazê-lo. Sem modéstia, quase sempre, dá certo.

O senhor gostaria de ver “Breaking Bad” e “Malcom” transpostos para o cinema?
“Breaking Bad”, definitivamente, não. Teve um fim tão satisfatório que seria um equívoco enorme. Não quero voltar jamais àquela história, não quero que ela continue. Ela teve começo, meio e fim. Teve ponto final. Não tem como revivê-la. Podemos deixá-la lá?

Se o senhor insiste (risos)...
Ótimo! (risos). Agora, “Malcom” me faz pensar no que aconteceu dez anos depois com aquela família, com aqueles meninos. Estamos conversando sobre a possibilidade de haver uma história de verdade ali para ainda ser contada. Porque não quero fazer um projeto destes apenas baseado no saudosismo e que ficam meio assim “ei, olha nós aqui outra vez!”. Não dá.

Mas um filme de “Breaking Bad” não seria um sucesso imediato?
Talvez, mas não me baseio em dinheiro para escolher meus projetos. Não preciso de tanto dinheiro assim em minha vida. Ou a história é interessante e significativa, ou não me interessa. E os produtores sabem disso.

Mas e no caso da HBO, com o filme sobre Lyndon Johnson, não é uma continuação de uma história que também terminou, nos palcos da Broadway?
É que aí são dois animais bem diferentes. Palco e TV me exigiram duas performances completamente diferentes. No teatro, que era imenso, eu tinha de falar alto, bem alto. Quem ficava nas cadeiras lá detrás não conseguia ver minhas expressões. Eu tinha de manter minha cabeça voltada para o alto o máximo possível e projetar ao extremo minha voz. Na TV, não tinha este problema, e, por outro lado, tive de incluir as emoções dele em meu corpo todo. A câmera estava ali, em cima de mim.

De volta a “Trumbo” e ao Oscar: o quão crucial para sua exposição ao grande público e para uma eventual indicação foi viver Walter White?
“Breaking Bad” foi algo impressionante. Abriu um leque incrível de oportunidades. E atuar, em consequência, passou a ser ainda mais imprevisível e incrível para mim. Um ano e meio antes do episódio final eu soube que “Breaking Bad” iria terminar. E disse para meu agente: tem algo relacionado ao Walter White e a esta série televisiva que está se tornando algo imenso, maior do que tudo o que imaginávamos. Virou uma coisa tão gigantesca que eu precisei me retirar também. Chegou uma hora em que eu queria de fato que aquilo acabasse. Precisava sair da televisão por um período, para que as pessoas me vissem como alguém diferente. Daí procurei uma peça. Duas semanas depois, eu recebi “All The Way” e os produtores querendo que eu fizesse Lyndon B. Johnson no primeiro ano de sua presidência, logo depois do assassinato de J.F. Kennedy. Minha reação foi apenas um “Oh, meu Deus”. E fiz. Depois veio Trumbo. O resto é história.