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Mesmo com vida badalada, carreira de DiCaprio foge do estereótipo de astro

Assista ao trailer de "O Regresso":

UOL Entretenimento

Roberto Sadovski

Colaboração para o UOL, em São Paulo

03/02/2016 12h15

Ator e produtor de cinema. Ambientalista fervoroso. Dono de uma visão política liberal e apoiador de uma dúzia de causas nobres. Sempre com uma modelo belíssima nos braços. Ídolo de multidões. Leonardo DiCaprio é tudo isso. Ainda assim, nada poderia ser mais distante do estereótipo de "astro hollywoodiano" do que este californiano de 41 anos.

Desde que começou sua carreira, antes ainda de poder beber uma cerveja legalmente, Leo (vamos manter as coisas mais informais) demonstrou não só uma visão precisa sobre que filmes fazer e com quem fazê-los, mas decidiu também nunca se repetir. Ao contrário de seus pares com a mesma estatura --como Tom Cruise, Brad Pitt e Johnny Depp--, mergulhar em uma franquia nunca esteve em seus planos. Seus filmes também nunca geraram uma continuação. Mesmo tendo dito não para longas que poderiam projetar seu nome ainda mais alto, como "Homem-Aranha" e "Star Wars: Ataque dos Clones", Leo está tranquilo. Financeiramente e artisticamente.

Um bom exemplo é justamente "O Regresso", que estreia nesta quinta-feira (4) no Brasil, e concorre a gordos 12 prêmios no Oscar --inclusive à estatueta de melhor ator para DiCaprio. O drama de vingança, ambientado na época da colonização da América e dirigido por Alejandro G. Iñárritu, é um filme difícil, que coloca seu protagonista em situações que nem o mais sádico produtor do reality "Survivor" imaginaria.

Gilbert Grape - Divulgação - Divulgação
Leonardo DiCaprio em "Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador" (1993)
Imagem: Divulgação

Ao longo de pouco mais de 2 horas, Leo é caçado por nativos americanos, atacado por um urso (são poucos e agonizantes minutos em que ele é virado ao avesso pelo animal) e, finalmente, enterrado vivo. Acredite, isso é a ponta do iceberg. Ainda assim, "O Regresso" já faturou US$ 290 milhões desde que aportou nos cinemas no fim do ano passado. Não é difícil apontar que estes números ainda vão inchar mais dependendo do resultado do Oscar. E é corretíssimo afirmar que os cinemas lotam por causa de Leonardo DiCaprio.

Parte da culpa da descoberta de DiCaprio recai sobre os ombros de Robert DeNiro. Ele viu 400 jovens atores que concorriam pelo papel principal em "O Despertar de um Homem", de 1993, e enxergou em Leo --que fez o teste para o papel aos 15 anos e só tinha um filme no currículo, o horroroso "Criaturas 3"--, a intensidade necessária para o papel de Toby Wolff, um adolescente abusado física e verbalmente pelo padrasto.

Seu filme seguinte seria a comédia "Abracadabra", com Bette Midler, segundo o ator, o caminho natural de ganhar mais dinheiro e aparecer em mais filmes. "Mas algo em mim dizia que atuar não era só isso", lembra DiCaprio. "Eu estava intrigado por 'Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador', ainda tentando achar meu caminho como ator. Se eu não pegasse o papel, então seria 'Abracadabra'." Leo não só "pegou o papel", o irmão mentalmente deficiente de Johnny Depp neste drama delicado de Lasse Hallström, como foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante. De repente, todos os olhos da indústria estavam sobre o jovem que desapareceu até de maneira incômoda no personagem, criando uma química sensível com o protagonista interpretado por Depp.

Papéis de mais visibilidade --ao menos em teoria-- foram surgindo, como o faroeste "Rápida e Mortal", de Sam Raimi, com Gene Hackman e Sharon Stone, que pagou o salário de Leo do próprio bolso quando o estúdio reclamou do orçamento do longa. Em seguida, foi o poeta Arthur Rimbaud em "Eclipse de uma Paixão", e o poeta Jim Carroll em "Diário de um Adolescente".

A essa altura, Leonardo era um ator que conseguia carregar um filme, e seus traços angelicais, somado ao talento óbvio e comprovado, garantiam que os diretores continuassem batendo em sua porta. Em 1996, ele parecia satisfeito nessa posição, alternando candidatos a blockbuster, como a versão modernosa e bem-sucedida de "Romeu + Julieta", de Baz Lurmann, com filmes independentes, como o drama "As Filhas de Marvin", em que ele contracenou com Meryl Streep, Diane Keaton reencontrou Robert De Niro.

Estrelato

Então aquele navio chocou-se com aquele iceberg. E tudo mudou. DiCaprio inicialmente recusou o papel em "Titanic", mas James Cameron tanto insistiu que o ator, então com 22 anos, topou fazer o par romântico de Kate Winslet no drama que encenaria uma das maiores tragédias marítimas da história. O que ninguém poderia prever era o tamanho do estrago: "Titanic" chegou aos cinemas no Natal de 1997 e tornou-se um fenômeno, o maior que o cinema testemunhara em décadas.

Com US$ 1.9 bilhão nas bilheterias (número que só foi batido pelo próprio Cameron mais de uma década depois, com "Avatar"), e 11 Oscar no bolso, o filme impulsionou a carreira de Leonardo de maneira incomparável. A Leomania tomou conta do globo e, de repente, o jovem ator estava na capa de todas as revistas do planeta, era objeto de três biografias (entre os seis livros mais vendidos nos Estados Unidos no ano seguinte) e se viu numa posição peculiar em Hollywood, livre para escolher qualquer direção.

Os números corroboravam. O sofrível "O Homem da Máscara de Ferro", lançado em 1998, foi um sucesso de US$ 180 milhões globais. O drama "A Praia", de 2000, também faturou alto, com US$ 140 milhões em caixa.

Titanic - Divulgação - Divulgação
Cena de "Titanic" (1997)
Imagem: Divulgação

Mas Leo não parecia satisfeito, e se recusava a seguir os passos pré-programados dos astros do cinema. Não que exista algo errado em abraçar continuações ou atrelar seu nome a uma série, mas foi uma decisão consciente que o afastou de filmes como "Homem-Aranha", de Sam Raimi ("Tivemos uma reunião, eu e Sam, e ficamos nisso"), personagem que terminou nas mãos de seu melhor amigo, Tobey Maguire.

O que DiCaprio queria era trabalhar com os melhores e nunca se repetir. Foi exatamente o que ele fez na década seguinte, filmando com Steven Spielberg ("Prenda-me Se For Capaz"), Ridley Scott ("Rede de Mentiras"), Sam Mendes ("Foi Apenas um Sonho", que o reuniu com Kate Winslet), Christopher Nolan ("A Origem", um sucesso global de quase US$ 900 milhões) e, mais recentemente, Clint Eastwood ("J. Edgar") e Quentin Tarantino ("Django Livre").

Seu maior triunfo, porém, chegou duplamente em 2004. Seu primeiro filme com Martin Scorsese, o drama de 2002 "Gangues de Nova York", foi assombrado por brigas constantes do diretor com o produtor Harvey Weinstein, e o astro decidiu ele mesmo colocar a mão no bolso. Assim nasceu sua produtora, Appian Way, que entrou no mercado com "O Assassinato de Richard Nixon", com Sean Penn, e com "O Aviador", biografia do milionário, inventor e excêntrico Howard Hughes, mais uma vez dirigido por Scorsese.

A parceria com o diretor rendeu mais três filmes: "Os Infiltrados" (2006, com Jack Nicholson e Matt Damon), "Ilha do Medo" (2010, também produzido pela Appian Way), e "O Lobo de Wall Street" (mais um com sua assinatura como produtor).

Ambientalista

A Appian Way, por sinal, terminou sendo o instrumento perfeito para Leo jogar os holofotes sobre sua outra grande paixão, as questões ambientais e o futuro do planeta. Foi com o documentário de 2007 "A Última Hora", um retrato assustador das graves condições que equilibram os sistemas da Terra, emoldurado por contribuições de políticos, cientistas, ativistas e outros notáveis da causa ambiental, que DiCaprio tomou em suas mãos a responsabilidade por fazer sua parte para garantir o futuro do planeta.

Quando conversamos no ano seguinte, durante o lançamento de "Rede de Mentiras", o ator parecia muito mais empolgado em falar sobre causas ambientais do que sobre o próprio filme --sem nunca parecer um ecochato. Arriscando (e bem) uma ou outra frase em português, reflexo de seu relacionamento de cinco anos com a modelo brasileira Gisele Bündchen, Leo disparou sobre sustentabilidade ("Vocês no Brasil são pioneiros no uso de etanol como combustível, o que o mundo precisa copiar rápido", ressaltou), aquecimento global e a necessidade de cada um fazer sua parte. Não raro, ele doa vultosas somas em dinheiro para as causas --políticas, ambientais, sociais-- em que acredita, como a campanha do presidente Barak Obama, e também a organizações que lutam pelos direitos das minorias e dos animais.

Sem ostentar luxos como jatos ou gastos excêntricos, Leonardo DiCaprio continua avesso à exposição, e usa sua fama como trampolim para defender o que acredita. Sua única concessão ao estereótipo do "astro de cinema hollywoodiano" talvez seja a coleção de ex-namoradas, quase todas supermodelos, de Gisele à israelense Bar Rafaeli, passando por Erin Heatherton, Toni Garrn e Kelly Rohrbach --embora continue um solteirão convicto.

Entre o futuro do planeta, sua vida amorosa e os vários projetos já engatilhados, ao menos uma preocupação pode parar de rondar o astro na cerimônia do Oscar no próximo dia 28 de fevereiro: a não ser que uma zebra fenomenal cavalgue pelo palco do Kodak Theater, ele deve sair da festa com uma estatueta dourada em mãos. Merecidíssima, já que "O Regresso" é testemunho de suas imensas habilidades como ator.

Não que o Oscar signifique um prêmio máximo e o começo da ladeira abaixo em sua carreira. É mais um reconhecimento sincero de seus pares. E a internet perderá uma de suas fontes favoritas de memes.