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Filme sobre aborto em gravidez de sete meses choca Berlim

Em "24 Weeks" mostra drama de comediante que resolve interromper gravidez no sétimo mês - Divulgação
Em "24 Weeks" mostra drama de comediante que resolve interromper gravidez no sétimo mês Imagem: Divulgação

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Berlim

14/02/2016 17h18

Berlim presenciou na manhã deste domingo (14) sua primeira grande polêmica. O longa "24 Weeks", dirigido pela alemã Anne Zohra Berrached, aborda a questão do aborto, tema que costuma mesmo gerar controvérsias. Mas o longa vai um tanto além: o aborto, no caso, é de um bebê já no sétimo mês de gestação.

A trama gira em torno de uma comediante de sucesso que engravida e descobre que terá um filho com síndrome de Down. Após uma leve hesitação inicial, ela aceita tocar a gravidez adiante, mas tempos depois fica sabendo que o bebê terá sérios problemas cardíacos: precisará se submeter a várias cirurgias logo ao nascer e, caso sobreviva, possivelmente terá complicações graves de saúde para o resto da vida. O longa mostra o drama da humorista e de seu companheiro (eles não são casados no papel) enquanto tentam decidir: vão interromper a gravidez? Ou aceitar um filho que exigirá dedicação total de ambos pelo resto de suas vidas? 

O filme gerou comoção na sessão para a imprensa, com algumas pessoas deixando a sala antes do fim, mas com aplausos firmes ao final da projeção. Na coletiva de imprensa, o clima ainda era de exaltação – jornalistas estrangeiros se diziam chocados, mas mesmo os alemães ali presentes (na Alemanha, o aborto é permitido em casos como o do filme) reconheceram que o longa vai gerar reações extremas também nos cinemas do próprio país.

“Trabalhei um ano e meio no roteiro do filme”, disse a diretora. “Fizemos um trabalho intenso de pesquisa, de buscas por pessoas que já passaram por situações semelhantes à do filme na vida real, mas foi muito difícil encontrar gente que aceitasse dar entrevistas”, contou a cineasta, ressaltando que há estudos que relatam que, na Alemanha, 90% das mães que sabem de antemão que seus filhos terão problemas de saúde optam por abortar o feto. “Médicos e técnicos aceitaram dar depoimentos mais facilmente, mas falar com casais que tiveram que enfrentar o problema em estágio de gravidez tão avançado foi uma tarefa terrível. Até que, enfim, achei alguns casais pela internet que toparam depor. Com uma das mães, tive uma conversa que gravei e utilizei em trechos do roteiro. No dia em que conversamos, choramos juntas por horas e mais horas.”

Embora a questão central do longa seja muito grave, o filme passa boa parte do tempo evitando o excesso de drama. Há toques de humor e uma tentativa por parte da cineasta de não tornar seu filme “pesado” em excesso. No melhor estilo do extinto programa “Você Decide”, que a Globo exibia nos anos 1990, em que questões polêmicas eram abordadas para o público escolher o final, o roteiro de “24 Weeks” alterna o tempo todo situações que apresentam os prós e contras de cada lado da questão. Mas com uma grande diferença: no longa, a escolha final é inteiramente da mãe – mesmo o pai, embora seja muito ouvido e tenha opiniões levadas em conta, não é quem tem a palavra final (houve um grito na sala – possivelmente de apoio – quando a personagem feminina assume que será ela quem vai tomar a decisão definitiva).

Curiosamente, o o autor do roteiro do longa é um homem. “Fui muito ajudado pela Anne [a diretora] em alguns detalhes do script. Mas essa é uma das coisas boas da minha profissão: imaginar como é que pensa uma mulher”, disse o roteirista Carl Gerber, que é também é criador do argumento do filme.

A protagonista é vivida com intensidade por Julia Jentsch, uma das atrizes alemãs mais conhecidas fora de seu país – ela já esteve no elenco de longas como “Edukators” (2004), “Sophie Scholl: Uma Mulher Contra Hitler” (2005) e “Hannah Harendt: Ideias que Chocaram o Mundo” (2012). Ela contou que titubeou um pouco antes de aceitar o papel.

“Meu agente um dia me mostrou o roteiro e disse: ‘Bom, talvez você não queira participar do projeto’. Mas eu li mesmo assim e chorei: achei brilhante”, disse a atriz. “Claro, eu pensei muito antes de aceitar interpretar essa mãe. Eu me perguntava: ‘Será mesmo que consigo mergulhar nisso? Vou conseguir mergulhar e superar depois?’. Refleti e acabei aceitando”. Jentsch talvez tenha feito a escolha certa: já é tida desde já como uma das favoritas ao prêmio de interpretação feminina do festival. Como o júri presidido por Meryl Streep é formado na maioria por mulheres progressistas, é provável que o filme termine o festival com alguma premiação.

Tanto Berrached quanto os produtores do longa disseram ter plena consciência das dificuldades de aceitação que o filme terá em alguns mercados, sobretudo em países em que a simples menção à palavra “aborto” ainda é algo escandaloso. “Sabemos que o filme terá resistências fora da Alemanha. Imaginamos que haverá reações até bastante fortes em alguns países, e não apenas lugares [mais conservadores e religiosos] como a Polônia e a Itália”, disse o produtor Thomas Kufus. “Mas o tema tinha que ser abordado. Até porque a cada dia novas tecnologias permitem cada vez mais que se façam diagnósticos de doenças nos bebês – o assunto precisa ser debatido”, concluiu.

Perto do fim da coletiva, um dos jornalistas perguntou à diretora se ela mesma teria coragem de fazer um aborto aos sete meses de gravidez. “Quando eu comecei a tocar adiante esse projeto, achava que seria capaz, sim, de ter esse filho, que teria forças para criá-lo”, respondeu Berrached. “Mas com o tempo, com as entrevistas, observando as situações extremas... Hoje eu não posso mais te responder. Teria que passar pela situação – aqui e agora, não posso saber o que de fato eu faria”, disse.