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"Para eles, é coisa séria", diz diretor de filme sobre Carreta Furacão

Gustavo Alves, o Popeye do grupo Trio Barulhão - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Gustavo Alves, o Popeye do grupo Trio Barulhão
Imagem: Reprodução/Facebook

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

19/04/2016 06h00

O encarregado de produção Gustavo Alves, 21, tem uma rotina pesada em Ribeirão Preto. Duas vezes por semana, fora aos sábados e domingos, ele se apressa para sair do serviço e vestir logo sua fantasia de marinheiro Popeye. Com ela, junto de amigos como Fofão, Capitão América e Mickey, o jovem sai em uma disparada insana pelas ruas da cidade, brincando e dançando atrás de um barulhento trenzinho infantil.

Típicas do interior de São Paulo e sul de Minas, essas carreatas protagonizadas por personagens do cinema e TV viraram um fenômeno tão grande que não coube mais na internet. Após virar meme, estrelar game e até se apresentar em protesto pelo impeachment da presidente, a turma agora estará em um documentário: Dirigido pelo paulista Gabriel Mendes Dias como trabalho de conclusão de curso em audiovisual no Senac, o filme deve ser lançado no segundo semestre deste ano.

A gíria usada do título, que significa “dançarino” ou alguém simplesmente “exibido”, é o ponto de partida para histórias de pessoas simples, geralmente vindas da periferia, que dão vida aos trenzinhos de Ribeirão são vários na cidade, entre eles o famoso Carreta Furacão. Segundo Dias, que foca no lado sociológico do fenômeno, a relação dos integrantes com essa "subcultura" é tão forte que chega a lembrar a de um torcedor de futebol com o seu time de coração. Por festa, cada um deles costuma receber um valor irrisório, de R$ 7 a R$ 10, e há casos de quem nem cobra pelo serviço, como o de Gustavo.

O diretor Gabriel Mendes Dias, de 25 anos - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
O diretor Gabriel Mendes Dias, de 25 anos
Imagem: Reprodução/Facebook

“Os meninos começam cedo e vão crescendo naquele universo. É uma questão de pertencimento. Eles se identificam tanto com aquilo, que isso deixou de ser algo infantil e turístico para se tornar algo maior", diz ao UOL o diretor. "Para nós de fora, pode parecer engraçado, com aquelas as fantasias toscas, mas, para eles, é coisa séria.”

Com pouco recurso, as gravações do documentário começaram em 2015, após três anos de concepção do projeto, que nasceu quando Gabriel se espantou com os anárquicos vídeos da trupe na internet. “Ficamos em dúvida se mostraríamos só um trenzinho e só uma cidade. Escolhemos Ribeirão Preto porque é a cidade que tem um foco muito grande e representava bem o fenômeno. Filmamos cinco deles. Eles têm poucas diferenças estéticas e de personagens.”

O lançamento do filme ainda não está definido, mas deve acontecer, primeiro, em Ribeirão Preto, em sessão gratuita e exclusiva para os próprios integrantes dos trenzinhos. Falta arranjar patrocínio. Depois, ele deve partir para o circuito paulista de festivais. “É uma homenagem aos meninos, que são pobres. Assim como o funk, é um fenômeno que vem de lá e acaba se estendendo para outras camadas, afirma o diretor, que classifica a turma como uma "tribo urbana da periferia".

O documentário tem direção, roteiro e edição de Gabriel Mendes Dias, direção de produção e direção de arte por Gabriela Dias, produção executiva e assistência de direção por Mayra Dias, direção de som, roteiro e edição de Miguel Haddad e direção de fotografia e correção de cor por Arthuro Alves.

Integrantes do trenzinho Carreta Furacão, que virou fenômeno na internet - Pedro Gomes - Pedro Gomes
Integrantes do trenzinho Carreta Furacão, que virou fenômeno na internet
Imagem: Pedro Gomes

Paixão que começa cedo

Para o Popeye Gustavo Alves, que trabalha em uma empresa de piscinas em Ribeirão Preto e, com cinco anos de experiência, já se considera veterano dos trenzinhos, virar personagem de filme é o maior reconhecimento possível para quem começa cedo na tarefa de divertir crianças depois da fama na internet, um público nem tão jovem assim.

“Eu sempre gostei de trenzinho. Eu já dançava e comecei com 15 anos, primeiro em um menor. No comecinho, os moleques pensaram em vamos fazer algo diferente, uma coreografia, um salto. A gente chegava meia hora antes da festa e treinava um pouquinho. Deu certo. A gente bate um papinho antes, e todos já sabem o que fazer”, diz o jovem, conhecido nos grupos pelos passos deslizantes à lá Michael Jackson.

Segundo o ele, é comum ver pela cidade crianças vestidas como os personagens e querendo seguir na "profissão". Já icônicas, as fantasias de baixo orçamento são feitas pelos donos dos trenzinhos ou mesmo pelos próprios dançarinos, que costumam emprestá-las a colegas de outros carros. Mas, tal qual acontece nas torcidas de futebol, o relacionamento nem sempre é dos mais harmoniosos.

“Se eu falar que não tem rivalidade com os outros trenzinhos, mesmo os de mesmos donos, eu vou estar mentindo para você. Quando um trenzinho vê o outro, por exemplo, começa uma competição de dança, de som mais alto. Tudo tranquilo. Nada de pancadaria. Já teve briga umas duas, três vezes. Mas todo mundo conhece todo mundo.”