Topo

Almodóvar diz que gosta de competir porque não é "vaca sagrada" do cinema

Thiago Stivaletti

Colaboração para o UOL, de Cannes*

17/05/2016 08h12

Diretor de obras-primas como “Tudo sobre minha mãe” e “Fale com ela”, o espanhol Pedro Almodóvar conseguiu mais uma vez. “Julieta”, seu vigésimo filme, aplaudido nesta quarta na primeira sessão em Cannes, é um melodrama sublime adaptado de três contos do livro “A Fugitiva”, da canadense Alice Munro, vencedora do Nobel de Literatura.

Julieta é uma moça de Madri que um dia conhece Xoan, um belo pescador, numa viagem de trem. Ela se apaixona e vai morar com ele no litoral da Galícia e tem que enfrentar o mal humor da empregada da casa (Rossy de Palma, atriz fetiche do diretor, com um rosto saído de uma tela de Picasso). O casal tem uma filha, Antía. Algum tempo depois, Xoan morre num acidente, e mãe e filha se mudam para Madri. Mas aos 18 anos, Antía decide ir para um retiro e começa a se afastar cada vez mais da mãe, que fica devastada com a ausência, numa relação dominada por culpas guardadas no fundo da alma.

Na entrevista coletiva, não faltou a inevitável pergunta: o nome de Pedro (e de seu irmão Agustín) nos Panama Papers --que revelou contas secretas no Panamá em nome de empresas de fachada, nas quais, em alguns casos, havia dinheiro não declarado às Receitas dos países dos correntistas-- pode prejudicar a imagem do diretor e do novo filme? O diretor encarou a pergunta sem medo. “Meu nome e do meu irmão são os menos fulgurantes nesses papéis. Se essa história fosse um filme, nós seríamos meros figurantes. E a imprensa espanhola nos tratou como protagonistas absolutos”, disse. “Não sabemos qual era a questão porque não se investigou a fundo. Espero que isso não impeça o público de ver o filme, e sobretudo de gostar dele”.

Agustín Almodóvar reconheceu no mês passado em um comunicado que a empresa foi criada "ante uma possível expansão internacional" de sua produtora de cinema, mas "se deixou morrer a empresa sem atividade porque não se encaixava com nossa forma de trabalhar".

Como estava adaptando uma autora canadense, o espanhol revelou que a primeira ideia foi rodar em Nova York seu primeiro longa em inglês – mas quanto mais lia o roteiro em outra língua, menos ficava seguro do material. Ele preferiu então adaptar a história à cultura espanhola e rodar como sempre em Madri. “Munro é uma dona de casa. Como eu, basicamente”, brincou. “Ela escrevia quando não estava cuidando dos quatro filhos. Mas foi complicado adaptar, porque os nossos valores são diferentes. Nos EUA, uma mãe convive bem com a ideia de que o filho vai embora na época da faculdade. Na Espanha, nunca rompemos os vínculos familiares”, explicou.

Com “Julieta”, Almodóvar tenta pela quinta vez ganhar a cobiçada Palma de Ouro – ele chegou muito perto em 1999 com “Tudo sobre Minha Mãe”, que levou o prêmio de direção. Mas, ao contrário de Woody Allen, ele não desiste de competir. “Não tenho o talento de Woody ou Spielberg, admiro e respeito a postura deles”, declarou, com toda a modéstia. “Mas prefiro estar em competição porque é mais excitante para mim e para a mídia. Não sou uma vaca sagrada, quero estar à altura dos outros diretores da competição.”

Segundo ele, “Julieta” só foi uma história possível de contar agora que tem 67 anos – mas não lida bem com a ideia de envelhecer. “Concordo com o [escritor americano] Philip Roth: envelhecer não é uma doença, mas um massacre. Sinto falta da minha juventude nos anos 80”. Um dos diretores mais renomados do cinema hoje, Almodóvar diz que se vê retratado em seus personagens, mas odeia a ideia de que escrevam sobre ele. “Até hoje não escreveram biografias sobre mim, autorizadas ou não. E por favor, para o futuro, não deixem que façam um filme sobre a minha vida”, brincou, arrancando risos da sala.

*Com informações da AFP