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Por que você deveria se importar com a morte de um cineasta iraniano

16.mar.2014 - O cineasta iraniano Abbas Kiarostami durante sua visita ao Festival de Cinema de Cartagena, na Colômbia - AFP
16.mar.2014 - O cineasta iraniano Abbas Kiarostami durante sua visita ao Festival de Cinema de Cartagena, na Colômbia Imagem: AFP

Chico Fireman

Especial para o UOL, de São Paulo

06/07/2016 10h44

Uma notícia abalou o mundo da arte e deixou muita gente de luto na última segunda-feira (4). Saiu até no "Jornal Nacional", da Globo. O cineasta iraniano Abbas Kiarostami havia morrido aos 76 anos. Esta mesma notícia causou uma reação cada vez mais comum em tempos de democracia virtual.

Nas redes sociais e nos comentários dos portais de notícia, muitos internautas, perplexos com o surgimento do nome do diretor nos trending topics e no telejornal mais assistido do país, fizeram a pergunta de sempre: "quem é esse tal de Kiarostami que morreu?". Isso quando não soltaram piadas sobre o fato "insignificante" de ele ser um cineasta iraniano --como se o Irã fosse fora do planeta.

O deboche parece ser a ponta final do processo pela qual a informação trafega hoje em dia. A notícia sai da mídia tradicional e o internauta se vê obrigado a comentá-la --mesmo que não saiba do que fala-- apenas para não ficar de fora dos assuntos do momento. Geralmente, utiliza o humor, que é o que parece fazer mais sucesso na internet. Muita gente ri e acaba por aí.

A notícia gera uma piada e ninguém faz muito esforço para ir atrás da informação. E a ideia aqui é ajudar a explicar por que é relevante conhecer Abbas Kiarostami e seu cinema. Algumas dicas podem ajudar a entender por que a morte deste cineasta saiu "até" no "Jornal Nacional". Afinal, por que alguém deveria se importar com a morte de Abbas Kiarostami?

1) Ele pôs o cinema do Irã no mapa

Cinema não é só Hollywood, comédias da Globo Filmes e as produções francesas com histórias bonitinhas. Tem cinema em quase todo lugar do mundo. E foi entre o fim dos anos 1980 e 1990 que o mundo passou a assistir ao cinema iraniano. A culpa é dos filmes de Abbas Kiarostami, que começaram a circular por aí, principalmente depois que "Através das Oliveiras" (1994) foi selecionado para o Festival de Cannes.

2) Ele transformou gente de verdade em estrelas de cinema

Os protagonistas dos filmes que Kiarostami dirigiu e escreveu são gente comum: um menino que quer entregar o caderno que o colega esqueceu, uma garotinha que perde seu balão, os moradores de pequenas vilas no interior do país. Ele mesmo disse que resolveu fazer seu filme mais celebrado, "Close-Up" (1990), sobre um homem que fingiu ser um famoso diretor de cinema para enganar uma família rica, porque, se não o fizesse, esse homem seria esquecido pela história. O resultado é um filme que aparece nas listas de melhores de todos os tempos.

Kiarostami e Scorsese - Reuters - Reuters
Kiarostami recebe prêmio das mãos de Scorsese em Marrakesh
Imagem: Reuters

3) Ele tem fãs bem importantes

Martin Scorsese, de "O Lobo do Wall Street", é um grande fã do cinema do Kiarostami. "Seus filmes transbordam beleza e surpresa", falou, lamentando a morte do iraniano. Um dos cineastas mais cultuados do mundo, Jean-Luc Godard disse: "O cinema começou com [o diretor D. W.] Griffith e terminou com Kiarostami". O mais famoso cineasta do Japão, Akira Kurosawa, falou uma vez: "Depois de ver os filmes dele, eu agradeço a Deus". A atriz Isabelle Adjani presidiu o Festival de Cannes em 1997. Naquele ano, a Palma de Ouro de melhor filme foi para "Gosto de Cereja", um filme de Abbas Kiarostami. 

4) Porque buscar conhecimento nunca é demais

Na maior parte dos filmes de Kiarostami, há um limite muito tênue entre ficção e documentário, que explora isso de uma maneira muito natural. Os atores muitas vezes interpretam personagens que levam seu próprios nomes, quando não fazem eles mesmos. O cinema dele talvez demande um pouco mais do espectador do que um blockbuster sobre aliens invadindo a terra ou uma comédia rasgada com os astros do momento, mas vale muito dar uma chance e descobrir que existe muito mais do que aquele modelo básico que a gente vê por aí.

5) Você já pode ter a resposta

É do mesmo Twitter onde tantas piadinhas sobre morte de pessoas conhecidas são publicadas todos os dias que sai nossa última dica. Em menos de 140 caracteres, uma internauta resume: "Fui ver quem era esse Abbas Kiarostami que morreu e --nossa!-- dois dos melhores filmes que já vi na vida são dele, 'Gosto de Cereja' e 'Dez'". Nossa cinéfila virtual já tinha até mais do que a simples informação sobre quem era Kiarostami, bastou pesquisar um pouco para saber porque ela era deveria se importar em saber quem ele era.

Para ajudar aqueles que querem se iniciar no cinema de Abbas Kiarostami, estes são os cinco filmes fundamentais para se aventurar pelo cinema do iraniano:

1 - "Close-Up" (1990), uma obra-prima sobre o homem comum;
2 - "Gosto de Cereja" (1997), o filme sobre os motivos mais secretos;
3 - "Onde Fica a Casa do Meu Amigo?" (1987), o filme mais singelo sobre a infância;
4 - "Dez" (2002), um país passado a limpo dentro de um carro;
5 - "O Vento nos Levará" (1999), sobre a ironia da vida e sobre o cinema. 
 

Trailer do filme "Um Alguém Apaixonado"

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