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Cinema do Brasil perde um pouco do gingado com a morte do argentino Babenco

Chico Fireman

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/07/2016 10h22

Difícil pensar num cineasta brasileiro com o gingado de Hector Babenco, que morreu nesta quarta-feira (13) aos 70 anos . De um documentário sobre o maior piloto de Fórmula 1 de sua época, Emerson Fittipaldi, à adaptação de um dos livros mais emblemáticos já escritos sobre os bastidores de uma penitenciária, o diretor se aventurou por absolutamente tudo.

Foi ele quem deu a Reginaldo Faria seu melhor papel em "Lucio Flávio - O Passageiro da Agonia" (1976), um thriller que não deve nada ao cinema policial mais fino de Hollywood nos anos 1970. Foi ele quem transformou a prostituta amoral vivida por Marília Pêra em "Pixote, a Lei do Mais Fraco" (1981) numa madonna amorosa que acolhe o protagonista em seu seio. Foi ele também quem deu a Rodrigo Santoro aquele que talvez seja seu papel mais desafiador: um travesti que se casa na prisão, em "Carandiru" (2003).

A notícia de que nosso cinema perdeu esse gingado fica ainda mais esquisita quando a gente lembra que Babenco era argentino, apesar de ter escolhido o Brasil para viver e filmar muitos anos atrás.

 

Num país em que os cineastas têm poucas chances de construir carreiras, o estrangeiro número um do cinema brasileiro fez uma cheia de momentos brilhantes.

Quase 20 anos antes de Fernando Meirelles ser indicado ao Oscar de melhor diretor por "Cidade de Deus" (2002), Babenco disputava o prêmio por sua primeira produção internacional, "O Beijo da Mulher Aranha" (1985), adaptação delicadíssima da novela de Manuel Puig com duas interpretações espetaculares, de Raul Julia e William Hurt. Este, por sinal, levou a estatueta de melhor ator para casa.

Babenco abraçou o mundo, mas seus últimos trabalhos eram cada vez mais esporádicos e pessoais. Depois de dirigir Meryl Streep e Jack Nicholson nos Estados Unidos em "Ironweed" (1987) e fazer um épico na Amazônia com intenções claramente universais, "Brincando nos Campos do Senhor" (1991), seus "Coração Iluminado" (1998) e "O Passado" (2007) têm, cada um a sua maneira, elementos autobiográficos: são os únicos da carreira do diretor rodados na sua Argentina natal e têm boa parte dos diálogos falados em espanhol.

O réquiem do cineasta, "Meu Amigo Hindu" (2016), que não colheu tantos elogios quanto seus trabalhos mais clássicos, fala sobre um diretor que precisa aprender a viver com a proximidade da morte. O legado deste andarilho do cinema fica como convite para novas gerações de cineastas: olhar para si mesmo é importante para se reconhecer, mas é preciso ser generoso com o mundo como Hector Babenco foi.