Arlequina é a melhor coisa de "Esquadrão Suicida" e ofusca até o Coringa
Fãs de quadrinhos provavelmente vão sair satisfeitos depois de ver personagens que conhecem há tempos finalmente se materializarem na tela em "Esquadrão Suicida", que estreia nesta quinta (4). Mas as chances de decepção são grandes para quem chegar ao cinema sem conhecer o universo das HQs e esperando mais do que uma coleção de piadas e cenas de quebra-quebra com muita computação gráfica (que tal uma boa trama?).
A ideia era promissora: Amanda Waller (Viola Davis), uma alta funcionária do governo americano, reúne um grupo de supervilões para proteger a América depois da morte do Superman: Pistoleiro (Will Smith), um matador de aluguel infalível, mas também um pai amoroso; Arlequina (Margot Robbie), a insana cara-metade do Coringa; El Diablo (Jay Hernandez), um chefe de gangue piromaníaco e com crise de consciência; Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje), um ser mutante meio humano, meio réptil; Bumerangue (Jai Courtney), um inescrupuloso ladrão de joias australiano; e Magia (Cara Delevingne), o espírito de uma bruxa milenar que possuiu o corpo de uma arqueóloga; além de Rick Flag (Joel Kinnaman), o militar que vai ter que mantê-los na linha; e Katana (Karen Fukuhara), sua samurai particular.
Não precisa ser nenhum gênio para concluir que são personagens demais, e este é um dos maiores problemas do filme, que gasta mais tempo com as apresentações (entregando de cara informações que teriam mais impacto se reveladas ao longo da trama) do que azeitando as relações e a química entre eles. A ponto de ficarmos sem entender em que momento aqueles caras maus e egoístas se tornaram amigões que protegem uns aos outros.
Até há uma tentativa de construir uma amizade entre o Pistoleiro e a Arlequina, vilões que deveriam ser o centro da trama, mas isso também não é bem explorado. No fim, a única que realmente consegue brilhar entre tantos personagens rasos é a Arlequina, de longe a melhor coisa de "Esquadrão Suicida".
Em flashbacks, o filme se detém um pouco mais na história da personagem, na perturbadora relação abusiva (e obsessiva) que ela tem com o Coringa e na origem de sua loucura. Vemos a jovem psiquiatra Harleen Quinzel determinada a curar o Palhaço, seu paciente no Asilo Arkham, sem se dar conta de que estava caindo em uma paixão doentia, que a levaria a abrir mão de sua própria identidade para se tornar a primeira-dama do crime em Gotham, tão insana e violenta quanto sua cara-metade de cabelos verdes.
Entre todos os integrantes do Esquadrão, Arlequina é a única que abraça o espírito anárquico e sem remorsos que se espera de um grupo formado pelos piores vilões que o governo americano conseguiu reunir –ela chega a zombar da vontade de um deles de ter uma vida "normal". É com ela também que o filme consegue manter o clima de humor subversivo, irreverência, agilidade e visual estridente prometido pelos trailers. Quando ela não está em cena, o que sobra é quase sempre o tom sombrio e pasteurizado criado por Zack Snyder para o universo da DC no cinema.
Arlequina ofusca até a tão aguardada (e curta) participação de Jared Leto como o maior inimigo do Batman, que entrega uma mistura de Tony Montana ("Scarface") com um palhaço de circo, muito menos ameaçadora e imprevisível do que a versão de Heath Ledger. Mas o mérito é também de Margot Robbie, com uma atuação sempre na linha entre fragilidade e força, insanidade e meiguice, deixando entrever que esta não é só uma vilã "chutadora de bundas", mas também uma personagem trágica.
O filme quase escorrega nesse aspecto, chegando perto de glamourizar a doentia relação entre os dois vilões ao mostrar um Coringa também apaixonado, disposto a tudo para resgatar sua parceira. Mas, no final, fica sempre muito claro que, apesar de também cair na armadilha da paixão, ele foi o responsável por manipular a Arlequina ao ponto de desfigurar tanto sua mente quanto seu corpo.
É claro que isso não basta para redimir o filme de suas recaídas sexistas, dando munição para as discussões que rolam há tempos nas redes sociais sobre a sexualização da vilã. Ela pode até entregar sua versão do lema feminista "meu corpo, minhas regras" (ao som do hino de girl power "You Don't Own Me") e ser tão letal quanto qualquer outro membro do Esquadrão (ou até mais), mas tem mesmo que fazer tudo isso metida em roupas curtíssimas e coladas, e montada em saltos que parecem receita certa para um tornozelo torcido? Vamos combinar que esse figurino não tem nenhuma função na trama e serve apenas para atiçar os hormônios de adolescentes geeks?
Esse é um dos exemplos de que o filme não respeita nem sua melhor personagem, que chega a ser usada para arrancar riso fácil (e preguiçoso) ao ser socada na cara pelo Batman. Não ajuda em nada, também, querer colocar como maior aspiração da Arlequina uma vida doméstica com um Coringa curado –totalmente incoerente com uma personagem sem nenhuma crise de consciência ou aspiração de redenção.
Mesmo assim, a vilã de Robbie consegue ir além de sua aparência e limitações, com uma existência que, embora gire em torno do Coringa, consegue ser independente dele e dos outros homens ao seu redor, e ainda tem papel crucial para a resolução do filme. O que leva à conclusão de que talvez tivesse sido mais interessante investir de cara em uma aventura solo da Arlequina.
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