Topo

"Netflix da diversidade", Afroflix dá voz a atores e cineastas negros

Mosaico com alguns dos documentários disponibilizados na plataforma Afroflix - Reprodução
Mosaico com alguns dos documentários disponibilizados na plataforma Afroflix Imagem: Reprodução

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

22/08/2016 13h31

O filme "Rio da Fé", que resgata a tradicional festa popular do Divino em Rondônia, é a produção favorita da cineasta carioca Yasmin Thayná na plataforma Afroflix, criada por ela em maio deste ano. "Mas a gente chama de 'a' Afroflix, tá? No feminino", faz questão de frisar a jovem.

O documentário de curta-metragem de Andréia Machado, jamais lançado no circuito comercial, é uma das cerca de cem produções de dez Estados brasileiros disponibilizadas gratuitamente via streaming pelo site. O nome da plataforma sinaliza o pré-requisito: para fazer parte do catálogo, todas as produções devem ter participação de pessoas negras na direção, na atuação, no roteiro ou em pelo menos uma área técnica.

A iniciativa é pioneira no Brasil. As produções, em geral independentes, incluem longas, curtas de ficção, documentários, videoclipes, séries, entre outros formatos do audiovisual. Os filmes são enviados a uma comissão avaliadora do site composta por Yasmin e outras cinco mulheres afrodescendentes, que checam o cumprimento dos requisitos. Como apenas redireciona os filmes de outras plataformas, como YouTube e Vimeo, a Afroflix não remunera os realizadores.

A cineasta carioca Yasmin Thayná - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
A cineasta carioca Yasmin Thayná
Imagem: Reprodução/Facebook

Yasmin, que tem 23 anos e é estudante de comunicação social, conta que a ideia surgiu após produzir seu curta "Kbela", lançado no ano passado. A história autobiográfica inspirada no dia em que assumiu sua negritude parando de alisar o cabelo rendeu um farto material de pesquisa, que de alguma forma precisava ser divulgado.

"Decidi criar um blog para organizar e redirecionar tudo em que me inspirei e que já estava na internet. Chamei uma programadora e designer para criar o site e cheguei ao nome. Botamos na internet, e acabou virando uma coisa maior." Apenas nos primeiros dois dias, a Afroflix registrou cerca de 60 mil acessos, a maioria vinda de periferias e de pessoas negras.

Fila

Na fila da Afrolix estão cerca 500 produções apenas aguardando aval. A segunda leva de filmes deve chegar à plataforma em breve, com diretores de outros Estados. "Existe há muito tempo uma produção brasileira incrível, feita por pessoas de origens e concepções diversas, assim como o que tivemos no nosso no 'Kbela'. As pessoas querem saber quem faz esse tipo de cinema", diz Yasmin.

No leque de olhares da plataforma, há filmes sobre os bastidores do primeiro espetáculo de funk realizado no Theatro do Municipal do Rio ("Batalhas", dirigido pela própria Yasmin), sobre a tradição do Congo no Espírito Santo ("Congo - A Voz do Tambor", de Guilherme Lassance), além do intenso caso de amor inter-racial entre duas jovens de São Paulo ("SÓN", de Juan Contador). Histórias que têm comum a visão sobre indivíduos e suas culturas.

Além de servir de canal de distribuição alternativo, a plataforma tem também o intuito de fazer a ponte entre atores e realizadores independentes do país. "Se a gente olhar para o Brasil, veremos o quanto nós, negros, somos talentosos e potentes. Querendo ou não, nossa cena cultural é negra e feita por negros. O que falta é oportunidade, distribuição e narrativa positiva sobre essas pessoas."

Caminho longo

Para cineastas que participam da Afroflix, só o fato de a plataforma existir, dando voz a minorias, já é em si um salutar um ato de resistência. Se é raro ver um diretor ou ator negro em papel de destaque em filmes nacionais, iniciativas como essa e a do Centro Afro Carioca de Cinema, que promove a cultura dos artistas afro, são igualmente pontuais.

"Em um país onde o cinema negro não é considerado no momento de elaboração das políticas públicas para o audiovisual, onde a nossa existência e resistência é pautada apenas por nós, realizadores negros, a Afroflix é um oásis", diz a cineasta baiana Viviane Ferreira, diretora de "O Dia de Jerusa".

Mas o caminho ainda é longo. "Para mim, a plataforma só será realmente importante quando se profissionalizar e se tornar uma ferramenta como a Netflix, em que os clientes pagam mensalidades e os filmes exibidos são protegidos com licenciamentos devidamente remunerados", entende a cineasta, roteirista e produtora carioca Sabrina Fidalgo.

Cena do curta "Mwany", do diretor Nivaldo Vasconcelos, disponível na Afroflix - Reprodução  - Reprodução
Cena do curta "Mwany", do diretor Nivaldo Vasconcelos, disponível na Afroflix
Imagem: Reprodução