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"É quando a arte vale a pena", diz Dieckmann sobre abordar estupro em filme

Natália Guaratto

Do UOL, em São Paulo

13/09/2016 07h00

Morando nos Estados Unidos para uma reciclagem pessoal, Carolina Dieckmann está dando um tempo das novelas desde sua participação em “A Regra do Jogo”, mas voltou ao Brasil para divulgar um projeto que ela classifica como “desafiador”.

Em “O Silêncio do Céu”, longa do cineasta Marco Dutra (“Quando Eu Era Vivo” (2014), com estreia marcada para 22 de setembro, ela vive Diana, uma mulher que é estuprada por dois homens enquanto o marido, interpretado pelo argentino Leonardo Sbaraglia (“Relatos Selvagens”), assiste tudo escondido.

“Li o roteiro, era só um resumo, mas dizia que uma mulher seria estuprada enquanto o marido via tudo e depois eles não conseguiriam conversar sobre isso. Eu nem sabia o que ia acontecer com o casal, só achei aquilo perturbador e quis contar aquela história”, diz Carolina em entrevista ao UOL.

Para viver Diana, uma brasileira casada com um uruguaio, Carolina precisou aprender espanhol rapidamente, já que o longa é ambientando em Montevidéu. “Foi muito duro porque o espanhol é uma língua cantada e a minha personagem é muito introspectiva, não permitia muita afetação. Sou uma atriz que pende para o natural na minha atuação, então demorou bastante para eu conseguir um resultado”, afirma.

Após o estupro, Diana e Mário, personagem de Sbaraglia, passam o filme lidando silenciosamente com o acontecimento. Angustiado por não ter conseguido ajudar a mulher, ele canaliza o sofrimento em uma tentativa de vingança contra os estupradores. Por outro lado, Diana vive as consequências da tragédia silenciosamente, lidando com pesadelos e medo constante.

Silencio do Céu - Divulgação - Divulgação
Leonardo Sbaraglia e Carolina Dieckmann em cena do filme "O Silêncio do Céu", de Marco Dutra
Imagem: Divulgação
“Não dizer o que ela estava sentindo foi até mais difícil do que fazer a cena. Mil coisas passavam pela minha cabeça quando eu estava gravando, porque quando você tem um texto, é mais fácil, sua energia está canalizada”, conta Carolina. A atriz diz ainda que enfrentou dificuldades para gravar as narrações da personagem. “A gente demorou um tempo para encontrar o tom certo, porque é claro que nenhuma mulher merece ser estuprada, mas a gente quis contar um estupro com tudo de ruim que ele tem”, diz.

Filmada em dois dias, para poder mostrar os pontos de vistos de Diana e Mario, a cena deixou Carolina orgulhosa. Ela conta que o diretor pediu para os atores não usarem nenhuma referência de outros filmes e envolveu a todos no processo. “Até assisti outras cenas de estupro, mas para mim todas elas têm um quê de fetiche. Quis deixar claro que o que estava acontecendo em ‘O Silêncio do Céu’ não era sexo. Não tem nada de sexo”, conta o diretor do longa, Marco Dutra.

“A coisa de incluir a visão turva, o momento que a mulher sai do próprio corpo foi uma ideia minha, porque você está lá, está no seu quarto, num quarto que é íntimo para você, olhando para um teto que você olha todo dia, mas está acontecendo uma coisa que não é normal, tem um cara ali que não deveria estar ali, tudo o que você quer é fechar seus olhos e ir para outro lugar”, conta Carolina.

Apesar de o filme ter sido baseado em pesquisas e de Dutra ter ouvido depoimentos de mulheres que passaram por estupros reais, Carolina disse que preferiu “estar limpa” para viver a personagem. “Quando você faz uma cena de estupro, você não está retratando ali naquela sequência outras mulheres que foram estupradas. Era a Diana e tinha que ser o mais real possível para a realidade dela”, afirma.

Carolina disse ainda estar satisfeita em abordar o tema da violência contra mulher em um momento em que as vítimas de agressão e assédio são encorajadas a denunciarem os agressores. “É quando a arte vale mais a pena. Se alguma mulher que foi estuprada assistir esse filme e resolver falar sobre isso, ótimo. Se alguma assistir e encontrar uma razão para ficar calada, ótimo também. Gosto quando o meu trabalho afeta a vida das pessoas de alguma forma”, conclui.