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Obrigatoriedade de camisinha em filmes pornôs vira polêmica na Califórnia

Outdoor no sul de Los Angeles pede que os eleitores votem contra a Proposition 60 - James Cimino/UOL
Outdoor no sul de Los Angeles pede que os eleitores votem contra a Proposition 60 Imagem: James Cimino/UOL

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Los Angeles

04/11/2016 13h35

Os californianos têm decisões importantes a tomar nesta terça-feira (8). A principal delas é quem será o novo presidente dos Estados Unidos. Mas os habitantes do estado mais rico do país também vão escolher se legalizam o consumo de maconha de forma recreativa (e não só medicinal, como é atualmente) e se os atores da indústria de filmes pornográficos só poderão atuar usando preservativos.

“Caso isso seja aprovado, vamos criar a polícia da camisinha, pois, de acordo com o texto lei, qualquer cidadão da Califórnia que vir um filme pornô bareback [sem preservativo] poderá processar os atores, a produtora e pedir uma indenização de milhões de dólares”, explica o diretor Kenny Host, da Treasure Island Media, produtora de filmes de San Francisco com foco no mercado pornô gay de sexo sem camisinha.

"Estamos contra porque queremos proteger as pessoas que trabalham neste ramo de sofrerem assédio. Além do processo, os dados pessoais dos envolvidos se tornarão públicos, o que pode gerar perseguições, agressões e até risco de vida. O intuito [desse projeto] é quebrar as produtoras com pedidos de indenizações milionárias”, completa.

Dee Severe, produtora de filmes heterossexuais fetichistas Severe Sex Films obriga seus performers a usarem camisinha desde a aprovação da medida M, em 2012. Esta medida só vale, no entanto, para produtoras localizadas no condado de Los Angeles. Mesmo assim, ela está preocupada.

“Acho que esta é a pior proposta que já vi, porque mesmo que você use camisinha e por acaso ela não apareça, você pode ser processado. Todo mundo pensa que produtores de pornô são milionários, mas não somos, vivemos um estilo de vida de classe média. Imagine a cada ação, por mais que seja fácil de ela de ser dispensada pelo juiz, termos de gastar em média US$ 10 mil a US$ 15 mil com advogados?”, questiona.

É certamente um dos tópicos mais polêmicos dessa eleição. A publicidade feita a favor da aprovação da medida tem vendido a ideia de que ela tem como objetivo proteger os atores destes filmes de contrair doenças sexualmente transmissíveis e de proteger os jovens da alegada má influência desse tipo de produção.

A dominatrix Andre Shakti (dir.) - Divulgação - Divulgação
A dominatrix Andre Shakti (dir.) é contra a Prop 60
Imagem: Divulgação

Mas o diretor Kenny Host afirma que a proposta ignora que há dez anos não há um caso de contaminação por HIV entre produtoras pornô. “Nossos performers têm de realizar testes de DSTs a cada 14 dias. Aliás, por estarem sempre monitorados, o sexo que eles praticam é muito mais seguro, pois eles sabem exatamente como está sua saúde, o que não podemos afirmar sobre qualquer pessoa.”

Além dos produtores, atores, cerca de 50 jornais e entidades de saúde, os partidos republicano, democrata e liberal já se posicionaram contra a proposta, conhecida como Proposition 60 ou apenas Prop 60. O partido Republicano, notavelmente o mais conservador dos EUA, diz que já existem legislações suficientes para garantir a saúde dos atores desta indústria e que “há tantas pessoas contra isso que seria possível escrever um livro”.

Mudança

Uma pesquisa de intenção de voto com a população local, feita pelo jornal "Los Angeles Times" em setembro deste ano, indica que a Prop 60 deve passar com cerca de 63% de aprovação. Caso isso aconteça, as produtoras de pornô prometem se mudar para o estado de Nevada, especificamente para Las Vegas, onde boa parte dos filmes já é produzida. Países europeus e até o Brasil também poderão se beneficiar dessa medida, pois, segundo a reportagem apurou, algumas produções já são gravadas em São Paulo e Rio de Janeiro.

Mesmo assim, há a possibilidade de que habitantes da Califórnia possam processar essas produtoras mesmo à distância. A produtora Dee Severe diz que vai estudar junto a seus advogados que tipo de medidas podem ser tomadas. Ela considera que uma seria fazer apenas filmes fetichistas com lésbicas, mas que mesmo assim perderia público que busca filmes heterossexuais em que haja penetração. Para ela, outra opção seria bloquear os IPs (endereço que identifica a localização dos usuários de internet) da Califórnia e não comercializar nenhum tipo de pornografia em mídia física neste Estado.

A dominatrix Andre Shakti, uma performer independente da cidade de San Francisco, diz que isso tudo "é uma caça às bruxas". "Para mim é o mesmo tipo de moralismo sobre os direitos reprodutivos, sobre aborto. Há muitos casais heterossexuais neste ramo que fazem filmes apenas sem camisinha. Eu, por exemplo, uso camisinha para não engravidar, mas e quem não quer usar? Isso fere a liberdade de escolha. Não vivemos mais em 1989, quando as pessoas contraíam HIV e morriam de Aids da noite para o dia. A ciência avançou muito neste campo".

Dinheiro

Quem levou a Prop 60 para votação foi Michael Weinstein, figura controversa que comanda a AHF (Aids Healthcare Foundation), uma organização fundada em 1987 que arrecada fundos para financiar o tratamento de pessoas soropositivas. Mas, de acordo com os opositores de Weinstein, a AHF estaria perdendo clientes desde que chegou ao mercado uma nova droga chamada Truvada, conhecida no meio médico como PrEP (Profilaxia Pré-Exposição).

Michael Weinstein, presidente da Aids Healthcare Foundation - Divulgação - Divulgação
Michael Weinstein, presidente da Aids Healthcare Foundation, principal defensor da Prop 60
Imagem: Divulgação

Pessoas que fazem esse tratamento com a Truvada são geralmente soronegativas, mas tomam a droga para evitar a contaminação. A eficiência é de 98% e ela já foi recomendada pela Organização Mundial de Saúde a todas as pessoas que têm problemas para usar preservativo. Muitos casais em que um dos dois é negativo e o outro é positivo usam PrEP para não transmitirem o vírus. E na indústria pornô seu uso é obrigatório para quem participa de filmes sem preservativo.

De olho neste mercado, os planos de saúde dos Estados Unidos já têm negociado diretamente o fornecimento do Truvada por preços muito acessíveis. Ou seja, se as pessoas pararem de se contaminar com o HIV, a organização Aids Healthcare perde seu financiamento, já que haverá menos pacientes soropositivos.

Weinstein já disse publicamente que considera o Truvada uma "droga recreativa", usada por "viciados" e que a única maneira de se prevenir do vírus da Aids é a camisinha. Para ganhar simpatia popular, ele gastou mais de US$ 4,5 milhões (de um orçamento anual de US$ 750 milhões) em publicidade em favor da Prop 60. Para ele, o pornô sem camisinha é uma má influência aos jovens, que passam a abolir o preservativo de suas relações sexuais.

Para o partido Republicano da Califórnia, que escreveu sobre o tema em sua página, caso a Prop 60 seja aprovada, Weinstein pode se tornar uma espécie de “czar do pornô”, pois “terá poder de se sobrepor até ao procurador geral do Estado, caso ele decida não processar [os estúdios], podendo ser retirado do cargo apenas com a maioria dos votos Senado e da Assembleia legislativa do Estado".

A reportagem procurou Weinstein para explicar seu ponto de vista, mas seu assessor não atendeu a nenhuma ligação nem respondeu a recados deixados na secretária eletrônica.

Até o Condado de Los Angeles está em pé de guerra com o ativista (ele mesmo um homossexual ultraconservador). Em uma reportagem do "Los Angeles Times", líderes políticos o acusam de usar o dinheiro público de uma organização não lucrativa para promover uma "vingança pessoal" em vez de prestar serviços a pessoas vivendo com HIV e Aids.

Para Mike Stabile, da Free Speech Advocacy, uma organização que está representando toda a indústria pornô nesta disputa, "há muitas partes da medida que são inconstitucionais”, como a violação da privacidade dos trabalhadores da indústria do pornô, e diz que pretende continuar a batalha jurídica para derrubar a Prop 60.

Até Larry Flynt, o lendário pornógrafo que virou tema do filme "O Povo Contra Larry Flynt" (1996), estrelado por Woody Harrelson e Courtney Love, já entrou na briga dizendo ao "Times" que Weinstein manipulou a opinião pública. "Se formos dar tudo o que ele quer, a indústria quebra. Obviamente isso não vai acontecer, mas ele terá seus 60 minutos de fama. Acho.”