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De clipe de Adele a candidato ao Oscar, Xavier Dolan lida com próprio ego

Xavier Dolan - Yves Herman/Reuters - Yves Herman/Reuters
Xavier Dolan se emociona ao receber Grande Prêmio do Júri de Cannes por "É Apenas o Fim do Mundo"
Imagem: Yves Herman/Reuters

Carlos Helí de Almeida

Colaboração para o UOL

29/11/2016 19h13

Xavier Dolan já foi descrito como o "enfant terrible" do cinema canadense: um jovem diretor de 27 anos dotado de um ego tão grande quanto sua capacidade de elaborar histórias carregadas de tensão sexual, neuroses e música pop --não é à toa que foi convidado para dirigir o clipe de "Hello", de Adele. Quando saiu do Festival de Cannes de 2014 com o Prêmio do Júri pelo filme "Mommy", Dolan afirmava que estava amadurecido e que tinha "perdido preconceitos esnobes e infantis", dando a entender que havia entendido o recado.

Mas a reação a "É Apenas o Fim do Mundo", seu sexto longa-metragem, pôs em cheque a relação entre Dolan e a imprensa estrangeira quando foi exibido em Cannes deste ano, em maio. O filme, que está em cartaz nos cinemas brasileiros, recebeu elogios, mas também duras críticas aos excessos artísticos. Algo que o diretor interpretou como bullying.

No final das contas, Dolan saiu novamente com o Grande Prêmio do Júri. "Não fiquei muito preocupado com as críticas ruins. Até porque também houve bons relatos sobre o filme. Mas confesso que, quando soube do falatório negativo, eu gritava por dentro", lembrou o prodígio canadense ao UOL. Em setembro, uma nova vitória de Dolan sobre os detratores: "É Apenas o Fim do Mundo" foi escolhido para representar o Canadá na corrida ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

"Melhor filme"

Dolan vem afirmando que "É Apenas o Fim do Mundo" é "o melhor filme" que já fez. Adaptação da peça homônima de Jean-Luc Lagarce, o filme é o primeiro em que o diretor trabalha com elenco de renome internacional. Além de Marion Cotillard ("Piaf - Um Hino ao Amor") e Vicent Cassel ("Cisne Negro"), estão nele Gaspard Ulliel ("Saint Laurent"), Léa Seydoux ("Azul é a Cor Mais Quente") e Nathalie Baye.

Dolan conheceu Marion na festa de lançamento de "Dois Dias, Duas Noites", dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, em Cannes há dois anos. "Sou tímido, não faço o tipo groupie de estrela, então acabou sendo um encontro breve e informal. Também sempre fica aquele receio de a pessoa não te conhecer direito, nem o seu trabalho. Mas, depois que voltei para casa, me bateu aquela constatação do quanto gostaria de trabalhar com ela", recorda.

As coincidências continuaram. Pouco tempo depois, em outra ocasião, o diretor encontrou por acaso Gaspard e Léa, dois outros jovens talentos do cinema francês. Era como se as estrelas estivessem se alinhando no caminho de Dolan. "A única forma viável de juntar aquele grupo que eu adorava em torno de um mesmo projeto seria adaptar a peça de Lagarce, que eu havia lido uns cinco anos atrás, mas que, na época, não entendera muito bem".

Compreensão tardia

A trama de "É Apenas o Fim do Mundo" fala de Louis (Ulliel), escritor que, após 12 anos longe da família, retorna à casa materna para anunciar que está morrendo. A tensão natural do reencontro familiar aumenta à medida que tanto o protagonista quando sua mãe e seus irmãos demonstram profunda incapacidade de expressar o que sentem ou o que pensam. Dolan demorou a entender porque os personagens da peça escrita por Jean-Luc Lagarce, que morreu de complicações do vírus da Aids em 1995, aos 38 anos, passam o tempo inteiro se agredindo, até fisicamente.

"Confesso que não compreendi a proposta da peça, a primeira vez que a li. Talvez porque não tivesse maturidade suficiente para entendê-la, ou por não tê-la lido da forma correta. Aquele tipo de linguagem não me estimulou, senti dificuldade para me conectar emocionalmente com a história daqueles personagens", explicou o diretor, conhecido por dramas exasperantes e carregados de sexualidade, uma espécie de Pedro Almodóvar da nova geração.

"Ao retomar ao texto do Lagarce, dois anos atrás, de repente me vi diante de personagens cheios de defeitos, dores e frustrações, de comportamento bastante agressivos. Comei a percebê-los como figuras mais interessantes do que os heróis carismáticos e sorridentes que estamos acostumados a ver. Finalmente os vi como pessoas reais, que acordam e vão trabalhar. Era uma coisa bonita de se explorar", justificou Dolan. "Há o irmão brutamontes, a mãe extravagante, a cunhada que todos mandam se calar. Esses contrastes me fascinavam".

O drama de Louis reafirma o interesse de Dolan por histórias de família à beira de um ataque de nervos. Filho de pais separados, o diretor nega referências autobiográficas. "Tenho um ótimo relacionamento com a família da minha mãe, e com a família do meu pai. Mas identifico uma miríade de pequenos detalhes na família de Louis com a minha vida. A peça de Lagarce oferecia margens para interpretações, que eram decididas no palco. Eu tinha uma margem para trabalhar, incorporar algumas ideias, cores e texturas do meu próprio passado e da minha imaginação."

E Dolan já prepara seu próximo trabalho: "The Death and Life of John F. Donovan", que tem Jessica Chastain e Kit Harrington (o Jon Snow de "Game of Thrones") no elenco. As filmagens estão programadas para terminar em julho de 2017.