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Com saúde frágil aos 80, Paulo José diz que cinema e aplausos o mantêm vivo

O ator Paulo José em cena do documentário "Todos os Paulos do Mundo" - Reprodução
O ator Paulo José em cena do documentário "Todos os Paulos do Mundo" Imagem: Reprodução

Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

25/10/2017 04h00

Paulo José está em pé diante de uma sala de cinema cheia e quieta, muito quieta para poder ouvir com atenção seu discurso baixinho, depois de receber o prêmio Leon Cakoff pelos mais de 60 anos de carreira. O ator, que completou 80 anos de idade em 2017, é um dos homenageados da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

"Que silêncio constrangedor", diz Paulo ao concluir seu discurso, tirando risos daqueles hipnotizados pela figura tão humana que viu o Mal de Parkinson que convive com ele há 25 anos deixar a voz "um pouco tímida". Nas palavras do próprio, o cinema, o palco, a plateia e o aplauso são as forças que o mantêm vivo.

Paulo é o bêbado Orestes e o cigano Jairo das novelas para uma geração, é o Shazan de "Shazan, Xerife e Cia" para outra, é o gaúcho que virou galã de comédias cariocas, é o Macunaíma e Policarpo Quaresma no cinema. E quase todos os seus personagens estão em "Todos os Paulos do Mundo", documentário que chega à São Paulo depois de ser exibido no Festival do Rio e abre as homenagens da Mostra ao mestre do cinema, do teatro e da televisão.

Afastado do grande público desde que viveu o Benjamin na novela “Em Família” (2014), Paulo José não está parado. O documentário que reconta a trajetória dele a partir de um recorte não-linear de suas obras tem muito mais do ator além dos personagens, aproximadamente 98. "Parei e fiz as contas. São mais de 18 peças, 40 filmes, 15 novelas, 5 seriados e 20 teledramas como ator", filosofa o artista de 80 anos no filme. O próprio é autor dos textos narrados pelos filhos e outras figuras importantes em sua carreira como Flávio Migliaccio, Fernanda Montenegro, Milton Gonçalves, Joana Fomm, Selton Mello e Mariana Ximenes.

A idealizadora do projeto é a produtora Vânia Catani. Amiga da família, ela convive com Paulo José há pelo menos 18 anos, quando conheceu o ator que admirava desde a infância ao trabalhar no filme "Outras Estórias", de Pedro Bial. "Ele já me dizia tanta coisa que eu achava que todo mundo tinha que escutar que eu sabia que era eu que tinha que fazer", diz.

"A única coisa que eu quero é que esse filme estimule as pessoas da nova geração que não conhecem Paulo José a conhecer. E para aqueles que já o amavam, que se reencontrem com ele e celebrem a vida dele, que é linda. Ele é muito grande ator, não é qualquer um. É um dos melhores do mundo, sem dúvida", conclui Vânia. 

Cabeça ativa

Os diretores Rodrigo de Oliveira e Gustavo Ribeiro levaram quatro meses debruçados na montagem do vasto material. "O último mês de montagem foi muito comovente. Ele chorava, a gente chorava. E aí passados cinco minutos, ele vinha com ideias de uma precisão absurda. O resultado final do filme depende muito da sensibilidade de cinema dele também", contam. Eles mergulharam não só nos filmes, mas em entrevistas do ator e materiais raros que foram encontrando ao longo do caminho, como uma filmagem em Super 8 em que Paulo José dirige Fernanda Montenegro no teatro. 

Os encontros no Rio de Janeiro --onde vive o ator-- não só renderam algumas cenas que amarram os temas selecionados depois de uma cuidados revisão de todos os filmes do ator, como "momentos em que ele se dirigia em cena, pedia direção da gente, dirigia a gente dirigindo ele. A cabeça dele está muito ativa", reforçam. A ideia era justamente usar as obras para contar a história do ator cuja voz presente anda meio tímida, mas que ao longo dos filmes foi extremamente eloquente e intelectualmente ainda é. "Tem uma coisa de permanecer ativo à revelia de um monte de coisa como a idade, a doença", explicam.

Pôster do filme "Todos os Paulos do Mundo", retrospectiva da carreira do ator Paulo José - Divulgação - Divulgação
Pôster de "Todos os Paulos do Mundo" revisita "Todas as Mulheres do Mundo", de 1966
Imagem: Divulgação

"Todos Os Paulos do Mundo", clara referência a "Todas as Mulheres do Mundo", filme de 1966 em que Paulo contracenou com Leila Diniz, é também uma homenagem ao diretor Domingos de Oliveira, 81, um dos melhores amigos de Paulo até hoje. "O título é uma das coisas que apareceram no começo. E aí de repente o filme foi virando realmente sobre todos os Paulos e se manifestando em todos os Paulos", explica Rodrigo, enquanto Gustavo confessa que não gostava da ideia no início. "Mas a partir de certo momento da montagem ele começou a fazer sentido. Temos todos os Paulos do mundo no filme, o Paulo fez o papel de todos os homens do mundo [...] E tudo se encaixou."

Apesar do teor de retrospectiva, os diretores não veem o documentário como a obra definitiva de Paulo José. "Com essa consciência que ele atingiu da fragilidade da condição física e sua potência da condição humana, não é algo que vai se perder por agora. O Paulo ainda vive por muitos e muitos anos. Tenho a impressão de que o ciclo de homenagens vai se repetir em algum momento. Daqui a dez anos, terão outras homenagens porque ele vai continuar ativo. O que a gente quer é que as pessoas assistam esse filme e queiram ver os filmes originais. Isso dando certo, os próximos virão", garantem.

Depois de passar pelo Festival do Rio e pela Mostra, "Todos os Paulos do Mundo" deve chegar aos cinemas ainda no primeiro semestre de 2018.

Aplausos da diva

Sonia Braga encontra Paulo José na 41ª edição da Mostra Internacional de Cinema - Francisco Cepeda/AgNews - Francisco Cepeda/AgNews
Sonia Braga cumprimenta Paulo José após sessão de "Todos os Paulos do Mundo"
Imagem: Francisco Cepeda/AgNews

Homenageado por sua longa e relevante carreira no cinema, Paulo José contou com outros grandes na plateia. Entre eles, a diva do cinema brasileiro Sonia Braga, que não só aplaudiu o amigo, como riu e se emocionou com o documentário.

A atriz lembra que passou a ter uma dimensão maior de quem era Paulo José depois de conhecer o lado humano do ator ao desenvolver uma amizade com Dina Sfat (1939-1989), mulher do ator na época.

"Conheci o Paulo anos 70, quando eu estava começando e todo mundo do Cinema Novo foi para a TV Globo. Fiz novelas com a Dina Sfat e nos demos muito bem. Então ela passou a me convidar para ir à casa dela. Para mim, a dimensão do Paulo começa aí. Como um pai de família, como marido da Dina. Já o conhecia como o ator importante do Cinema Novo, mas imediatamente humanizou."

Sonia ainda destaca a importância do teatro na humanidade que Paulo José carrega em seus personagens. "Ele sempre representou esse homem do Sul, bem brasileiro. Acho lindo o sotaque dele. E, além de tudo, Paulo é um homem lindo. São várias as camadas e gerações que atravessei assistindo, participando, e vendo o trabalho dele crescendo. Hoje tenho essa felicidade de estar aqui."