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"Black Mirror": Arkangel alerta contra os perigos da superproteção parental

Em "Arkangel", Marie (Rosemarie Dewitt) monitora a filha Sara (Aniya Hodge) por meio de um chip implantado na menina - Christos Kalohoridis/Netflix
Em "Arkangel", Marie (Rosemarie Dewitt) monitora a filha Sara (Aniya Hodge) por meio de um chip implantado na menina Imagem: Christos Kalohoridis/Netflix

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

03/01/2018 04h00Atualizada em 05/01/2018 10h40

Em uma temporada tão diversa em gêneros quanto a quarta de “Black Mirror”, “Arkangel” é, sem dúvidas, o mais fiel ao estilo que tornou a série britânica famosa na internet, com uma história sobre como o uso cotidiano da tecnologia pode ter consequências devastadoras na vida de qualquer um – que poderia ser você ou alguém de sua família.

A tecnologia em questão é Arkangel do título, um chip implantado no cérebro de uma criança. Ele transmite a um tablet informações como localização ou o que ela está vendo e permite usos mais perturbadores, como o filtro que borra da vista dos pequenos quaisquer imagens que possam elevar seus níveis de estresse. Um cachorro ameaçador latindo, por exemplo.

A seguir, vamos discutir o episódio em detalhes e com spoilers, então não prossiga se você não quer saber o que acontece.

Dirigido por Jodie Foster, que já havia se aventurado por trás das câmeras em filmes como “Jogo do Dinheiro” e episódios de “Orange Is The New Black” e “House of Cards”, “Arkangel” acompanha a paranoia parental presente na relação entre Marie (a ótima Rosemarie DeWitt) e sua filha Sara (papel dividido entre Aniya Hodge, Sarah Abbott e Brenna Harding).

Abalada após perder a filha em um parque, Marie embarca em um teste grátis do sistema Arkangel para evitar que o caso se repita. Ela fica visivelmente animada com o novo sistema, mas não demora para os problemas aparecerem: com o filtro ligado, Sara não consegue ver que o avô está passando mal e fica parada, em vez de procurar ajuda.

À medida que a menina cresce, fica cada vez mais claro o impacto psicológico do chip: além de ser alvo de bullying por parte dos colegas sem o chip, Sara não cria noções de perigo e, como pré-adolescente, não consegue compreender as conversas dos colegas que envolvem sexo, palavrões e violência – e nem mesmo o conceito de sangue. Uma vez que a mãe resolve desligar o sistema, em compensação, ela vai direto aos extremos e, apresentada por um colega, assiste a pornografia e a vídeos de execução.

A trégua não dura muito. Quando a filha já adolescente começa a sair escondida, Marie cede à tentação de ligar novamente o sistema e começa não apenas a rastrear Sara, mas a interferir, secretamente, em sua vida: ela força o namorado da garota a se afastar dela e dá à filha uma pílula do dia seguinte, sem ela saber. Sara, é claro, descobre o que a mãe anda fazendo, o que inevitavelmente leva a um confronto.

Diferentemente de outros capítulos da série, a história deste é previsível. Desde o começo o espectador tem plena consciência de que o sistema vai trazer problemas entre mãe e filha quando Sara começar a crescer e buscar, naturalmente, sua independência. Isso, porém, não diminui a trama, que é conduzida de forma satisfatória pelo texto do criador Charlie Brooker e pela direção de Foster, criando uma sensação de angústia crescente até o desfecho violento.

“Arkangel”, no fim das contas, é um alerta claríssimo sobre a superproteção parental: a boa intenção de manter um filho são e salvo a qualquer custo não só pode (e tem chances enormes de) dar errado, como ainda envolve uma série de implicações éticas e morais que frequentemente são ignoradas em nome de uma sensação de segurança que, na verdade, nunca se concretiza. É muito significativo, inclusive, que Marie em nenhum momento converse com Sara sobre sexo, relacionamentos ou drogas, preferindo agir pelas costas da filha.

Mas não importa o quanto você tente esconder a realidade, ela vai aparecer de um jeito ou de outro, como bem ensina outra lição de moral de "Black Mirror".