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"Black Mirror": Sombrio, "Crocodile" não é fácil de acompanhar

Andrea Riseborough em cena de "Crocodile", episódio da quarta temporada de "Black Mirror" - Divulgação
Andrea Riseborough em cena de "Crocodile", episódio da quarta temporada de "Black Mirror" Imagem: Divulgação

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

04/01/2018 13h43

“Black Mirror” tem uma longa tradição de episódios feitos sob medida para deixar o espectador profundamente perturbado – e “Crocodile” é o que mais consegue alcançar esse efeito entre os episódios da quarta temporada.

A seguir, vamos discutir o episódio em detalhes. Não continue se não quiser ver spoilers.

Situado nas belas e frias paisagens da Islândia, que servem de cenário para uma fotografia deslumbrante, “Crocodile” começa com um crime. Mia (Andrea Riseborough) e seu ex-namorado Rob (Andrew Gower) atropelam e matam um ciclista, e jogam o corpo em um lago. Anos mais tarde, ele reaparece querendo revelar seu crime para encontrar redenção, o que põe em risco tudo o que Mia conquistou: uma carreira de sucesso como arquiteta, uma luxuosa casa nas montanhas e uma família.

Mia, que relutou no primeiro crime, não pensa duas vezes e mata Rob. Mas um acidente com um food truck automatizado na rua de seu hotel complica as coisas. Shazia (Kiran Sonia Sawar), uma investigadora de uma companhia de seguros, busca evidências sobre o acidente usando uma pequena máquina capaz de reproduzir em vídeo as memórias das pessoas.

Logo de início, fica claro que os caminhos das duas estão fadados a se cruzar – e o episódio constrói sua tensão crescente no contraponto entre as duas: de um lado, Mia com sua culpa e seu semblante sombrio, e do outro, Shazia, uma jovem entusiasmada e bem-humorada que nunca sonharia que um acidente tão banal poderia ter um desfecho tão ruim... para ela mesma.

Quando as duas finalmente se encontram, após Shazia descobrir o endereço de Mia, a arquiteta não consegue se ater apenas ao acidente, e flashes dos dois assassinatos são exibidos para a investigadora.  Ela acaba morta em uma cabana no meio das montanhas, bem longe do resto da civilização, mas não sem antes ter suas memórias violadas por Mia para revelar involuntariamente quem sabia de seu paradeiro. Acontece que o simpático marido de Shazia sabia exatamente onde ela estava, e Mia então leva sua jornada assassina até o lar do casal, onde tira as vidas do marido de Shazia e de seu bebê.

“Crocodile” é, sem dúvidas, o episódio da temporada mais difícil de assistir – e talvez um dos mais difíceis de toda a série. A angústia da trama envolve o espectador desde os primeiros minutos, e acompanhar Mia se afundando cada vez mais para proteger seus segredos se revela uma experiência indigesta, ainda que as mortes não sejam retratadas de forma gráfica. Para aqueles que desaprovaram os episódios mais levas que “Black Mirror” ganhou em suas encarnações na Netflix, é a pedida.

A atriz Andrea Riseborough (“Birdman” e “Bloodline”) é o grande destaque, conseguindo conferir relances de humanidade a uma personagem que, na maior parte do tempo, é guiada por seus instintos mais primitivos e sombrios. Kiran Sonia Sawar também cativa como Shazia, nos fazendo torcer por uma personagem que, em tese, seria a “vilã” da história.

Do lado negativo, pesa contra “Crocodile” o fato de que sua história evoca diretamente “The Entire History of You”, da primeira temporada, também centrado em memórias que podem ser vistas por outras pessoas. Para quem é fã de longa data da série, a sensação de déjà vu é inevitável – e “Crocodile” sai perdendo na comparação, já que é sua trama é construída de forma muito menos sofisticada do que a de seu antecessor.

As sutilezas que “TEHOY” têm de sobra, aliás, passam longe de “Crocodile”. A história do criador Charlie Brooker privilegia o exagero, como outros episódios de “Black Mirror” – mas aqui isso faz com que certas atitudes da protagonista e certos momentos soem gratuitos, tal como a revelação de que o bebê era cego e, se estivesse vivo, não poderia revelar o rosto de Mia.

A reviravolta final, porém, quando Mia é descoberta por causa das memórias de um porquinho da Índia, é irônica e ácida como só a série sabe ser.