Filho de Woody Allen sofreu ameaças ao expor casos de abuso em Hollywood

Filho de Woody Allen e Mia Farrow, Ronan Farrow acompanhou de perto nos últimos meses no turbilhão de acusações de abuso e assédio sexual que tomaram Hollywood, que culminou na iniciativa Time’s Up e no grande protesto do Globo de Ouro, no último domingo (7). Jornalista, ele publicou na revista “The New Yorker” uma das primeiras reportagens a expor o produtor Harvey Weinstein e deu voz a várias vítimas, incluindo a atriz Rose McGowan. Tempos depois, fez outro texto igualmente contundente, sobre o séquito de funcionários, agentes e empresários que ajudaram a manter o magnata impune.

Ronan, 30, falou sobre como foi trazer as denúncias contra Weisntein à tona em uma longa entrevista para a revista “The Hollywood Reporter”. Seu trabalho na reportagem começou primeiro na emissora NBC, para a qual ele colaborava. Não demorou para que o produtor descobrisse a investigação e tentasse minar a credibilidade de Farrow, sugerindo que o histórico familiar dele provava que ele não poderia tratar a história com imparcialidade. “Todos os jornalistas com quem falei riram da ideia de que houvesse conflito de interesse”, lembrou.

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Mas a situação piorou ao longo dos meses seguintes: Ronan recebeu ameaças por telefone e percebeu que estava sendo seguido. Ele chegou inclusive a ser abordado por uma agente da firma de inteligência corporativa Black Cube, a mesma que havia entrado em contato com a atriz Rose McGowan, uma de suas fontes. O jornalista teve de se mudar de seu apartamento em Nova York para garantir sua segurança.

Mia Farrow, também ouvida pela “Hollywood Reporter”, disse que se preocupou com o filho: “Ele me contou o suficiente do que ele estava descobrindo para eu ficar cada vez mais preocupada pela segurança dele. Mas eu e ele sabíamos que era uma questão moral. Ele tinha que continuar, mesmo que isso trouxesse grandes riscos”.

“Muitas pessoas me disseram ‘você tem que largar isso, está criando muitos obstáculos para você’”, contou Ronan. “Harvey Weinstein mostra como os homens mais poderosos do país têm tentáculos em todos os tipos de instituições”. Ele acabou inclusive saindo da agência que o representava, a CAA, após descobrir que seus executivos também agiram para acobertar as ações do produtor.

Acusação de abuso contra Allen

Ronan Farrow também falou à revista sobre sua própria experiência com o assunto. Sua irmã Dylan, hoje com 32 anos, acusou o pai de ambos de abusar sexualmente dela quando ela tinha apenas 7 anos. “Você vê essas coisas desde pequeno com esse tipo de experiência familiar em que os homens mais poderosos dos Estados Unidos exercem poder para o bem e para o mal. E provavelmente, sim, a experiência familiar me tornou uma pessoa que entendia o abuso de poder desde muito novo”.

Ronan falou publicamente sobre o assunto familiar em 2016, quando escreveu um texto, também para a “Hollywood Reporter”, sobre o silêncio de Hollywood em torno das acusações de sua irmã. “Eu não queria confrontar isso. Eu queria seguir em frente”, disse.

Ao perceber que sua irmã estava firme em suas denúncias, o jornalista resolveu encarar o assunto como profissional. “Tive que olhar todas as evidências e percebi ‘merda, isso é crível, isso é real, não posso fugir disso’. Me colocou em uma posição em que senti que seria antiético não responder. E a intensidade da reação contrária que recebi me deu certa compreensão do que muitos sobreviventes [de violência sexual] enfrentam”.

Questionado sobre qual foi a última vez em que falou com o pai, Ronan disse não saber. “Nós tivemos contato ao longo dos anos, mas não é alguém com quem eu falo regularmente”, afirmou. Mia Farrow pôs a paternidade do filho em dúvidas quando afirmou, à revista “Vanity Fair”, que Ronan poderia também ser herdeiro de Frank Sinatra, com quem ela havia sido casada. Mas, para o jornalista, isso não faz diferença: “Woody Allen, legalmente, eticamente, pessoalmente, era absolutamente o pai na nossa família. E é claro que qualquer família afetada por abuso sexual irá te dizer que isso é parte do que torna esse assunto tão devastador”.

A acusação de Dylan veio à tona em 1993, quando Allen e Mia estavam envolvidos em uma batalha judicial pela custódia da menina. A disputa foi antecipada pelo relacionamento do cineasta com Soon-Yi Previn, filha da atriz com Andre Previn, que então tinha 22 anos. Na época, um juiz concedeu a guarda total dos filhos a Mia, citando as “sérias inadequações parentais” de Allen. Ele nega que tenha abusado da filha.

Sobre a possibilidade de Hollywood virar as costas para Allen, Ronan preferiu não comentar. “Não cabe a mim dizer o que Hollywood vai ou não fazer. Vou dizer que em toda indústria ainda há homens poderosos enfrentando acusações críveis que continuam impunes. Apesar de este momento ser empoderador, ainda há um longo caminho a ser percorrido”.