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Animação tem sido área de maior destaque dos brasileiros no Oscar

Cena do filme "O Touro Ferdinando", dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha - Reprodução
Cena do filme "O Touro Ferdinando", dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha
Imagem: Reprodução

Rodolfo Vicentini*

Do UOL, em São Paulo

24/01/2018 17h29

Se o Brasil esteve fora das indicações de melhor filme estrangeiro no Oscar desde 1999, quando "Central do Brasil" concorreu, existe pelo menos um gênero em que a produção nacional tem se destacado: as animações. Este ano, Carlos Saldanha se junta mais uma vez ao time nacional que vem marcando presença na noite de gala da Academia com produções do gênero.

Além de "O Touro Ferdinando", produção norte-americana dirigida por Saldanha e indicada a melhor animação, "O Menino e o Mundo", de Alê Abreu, foi indicado na mesma categoria em 2016. O próprio Saldanha entrou na lista em 2004 com o curta "A Aventura Perdida de Scrat" (estrelado pelo esquilo de "A Era do Gelo"), e Leo Matsuda, da Pixar, quase chegou lá no ano passado --seu curta "Cabeça e Coração", que abria "Moana", ficou na lista de finalistas, mas não foi indicado.

"O Brasil está deixando de exportar animador para exportar animação", define César Coelho, um dos diretores do Anima Mundi, maior festival de animação do país. "Até 2015, o Brasil tinha feito 35 longas-metragens animados. Agora, já temos mais de 30 produções em andamento, sendo que muitas já foram lançadas. Ou seja, em três anos a gente vai ultrapassar o número histórico de produções brasileiras".

Não é que o país tenha deixado de exportar mão de obra para os grandes estúdios --todas as últimas animações da Pixar, por exemplo, tiveram algum profissional brasileiro na equipe. Mas estamos ganhando espaço no lado mais criativo da produção.

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Para César, a cultura do brasileiro é um fator decisivo para se sobressair nesse ponto. Independente da tecnologia, essencial para o produto final, é a partir de uma boa ideia que surge um produto de qualidade. "A gente tem essa cultura de contar história, de ser engraçado. Conseguimos nos comunicar além do idioma, o que vale para os clássicos também, onde toda ação é passada sem um único diálogo", observa o diretor.

"O Menino e o Mundo", apontou Coelho, custou 300 vezes menos que o blockbuster "Divertida Mente" e foi indicado ao lado do filme da Pixar para melhor animação do Oscar 2016. Com uma infraestrutura maior na última década, contadores de histórias brasileiros têm mais oportunidade de atingir o mercado com um produto final de qualidade, que acaba saindo mais barato que um filme convencional, que demanda uma equipe maior.

"Com certeza é uma área interessante e que tem espaço para crescer. Na animação, mesmo sendo estrangeiro, nada impede você de competir de igual para igual", observa Saldanha, que conversou com o UOL poucas horas após saber que foi indicado novamente ao Oscar e já dirigiu quatro longas para a produtora Blue Sky, incluindo "Rio" e dois filmes da franquia "A Era do Gelo".

"No Brasil tem muita gente fazendo curta de animação também. Isso faz com que as chances sejam bem grandes de ter animações brasileiras concorrendo de igual para igual com outros filmes que os estrangeiros fazem. Fico na torcida para que isso incentive as pessoas a continuar trabalhando", torce o diretor.

Cena da animação brasileira "O Menino e o Mundo - Do UOL, em São Paulo - Do UOL, em São Paulo
Cena da animação brasileira "O Menino e o Mundo
Imagem: Do UOL, em São Paulo

Para Alê Abreu, Saldanha tem uma vantagem que ele não teve no páreo, justamente por ter um grande estúdio por trás. "Acho que o filme dele tem muito mais força para ganhar [o Oscar] do que tive com o 'O Menino e o Mundo', pelo fato de o meu filme não ser da industria, ser um filme de arte e independente", opinou o diretor, em entrevista por e-mail.

É importante lembrar que ganhar um prêmio como o Oscar não depende apenas da qualidade do filme, mas também de uma campanha forte para convencer os membros da Academia a assistirem o filme e votarem nele. Para isso, quanto maior a produtora envolvida, maior é a verba disponível para a campanha.

Desde que a categoria foi criada, na edição de 2002 da premiação, grandes estúdios têm dominado em número de indicações e prêmios --em especial a Pixar, que levou 9 das 16 estatuetas douradas distribuídas. Mas há espaço também para produções menores ou mais "artísticas", com forte presença de países com mais tradição em filmes animados, como França e Japão.

Uma das grandes responsáveis por esse espaço para as animações independentes tem sido a distribuidora GKids, que foi responsável por levar "O Menino e o Mundo" aos cinemas norte-americanos e este ano emplacou no Oscar "The Breadwinner", filme financiado pelo Canadá, Irlanda e Luxemburgo que também teve Angelina Jolie como produtora. A empresa vem garantindo presença entre os indicados todos os anos desde 2013.

"Achei legal que dois filmes de produtoras menores entraram na lista -- 'Com Amor, Van Gogh' e 'The Breadwinner'", comemora Alê Abreu, puxando a sardinha para o lado de produções como as suas. "Este ano, com a mudança do sistema de votações, ficou muito mais difícil emplacar um independente. Isso talvez reforce a força destes filmes", aponta o hoje membro da Academia e votante do Oscar (todos os indicados são convidados a integrar a organização).

Abreu tem razão. Esta foi a primeira vez que todos os membros da Academia puderam votar nos indicados a melhor animação --antes, apenas os membros da seção de curtas e animação votavam nessa fase. A mudança significa que é preciso convencer um número maior de eleitores a votar no filme para conseguir ficar entre os indicados --que podem ser entre dois e cinco, dependendo do número de filmes inscritos a cada ano--, o que poderia encarecer a campanha e dificultar a vida de produções menores, incluindo as brasileiras.

A julgar pela lista divulgada esta semana, no entanto, com dois filmes menores concorrendo com os grandes estúdios, os animadores nacionais ainda não devem perder a esperança.

* Colaboraram Natalia Engler e Renata Nogueira