Topo

Sessões lotadas do pior filme: a história por trás de "Artista do Desastre"

James Franco como Tommy Wiseau no filme "Artista do Desastre" - Reprodução
James Franco como Tommy Wiseau no filme "Artista do Desastre" Imagem: Reprodução

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Los Angeles

27/01/2018 04h00

Um filme que, de tão ruim, virou cult. Esse poderia ser o slogan de "The Room", um drama lançado em 2003 e que até hoje alimenta uma forte "fan base". Tanta adoração justifica a existência de "O Artista do Desastre", longa estrelado por James Franco e que conta os bastidores do filme e a bizarra história de seu idealizador.

Escrito, dirigido, produzido e estrelado por um até então desconhecido chamado Tommy Wiseau, "The Room" consumiu cerca de US$ 6 milhões, mas foi um fracasso retumbante de bilheteria: faturou apenas US$ 1.900. A história é centrada no triângulo amoroso entre o banqueiro Johnny (o próprio Wiseau), Lisa (Juliette Danielle) e o melhor amigo Mark (Greg Sestero). Embora não seja um filme pornô, há muitas cenas de sexo e todas sem qualquer contexto. É como uma versão piorada dos pornôs soft exibidos no "Cine Band Privé", com algumas pitadas involuntárias de David Lynch.

E é justamente esse "non sense" que conquistou uma audiência cativa e que frequenta as não raras sessões de "The Room" até hoje em grandes cidades americanas --geralmente à meia-noite dos sábados e lotando plateias de cinemas independentes. Da mesma forma como acontece com musicais como "Rocky Horror Picture Show" e "Grease", o público costuma ir assistir "The Room" caracterizado como seus personagens.

Em Nova York, por exemplo, um cinema de EastVillage reservou uma sala durante um dia inteiro só para exibir o filme. A sessão estendida veio especialmente depois do hype gerado em torno dele com a estreia de "O Artista do Desastre", que está indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado, a partir do livro "The Disaster Artist: My Life Inside The Room, de Greg Sestero".

Tommy Wiseau - Getty Images - Getty Images
Tommy Wiseau tenta "roubar" microfone de James Franco no Globo de Ouro
Imagem: Getty Images

Pelo filme, Franco levou o Globo de Ouro de melhor ator de comédia neste ano, mas foi esnobado nas indicações de atuação do Oscar, algo que aconteceu após ele ser acusado por cinco mulheres de abuso sexual.

A despeito da má conduta de seu ator principal, "O Artista do Desastre" é uma excelente comédia documental, não apenas pelo competente roteiro, mas pela forma como Franco incorpora este insólito personagem real, que representa muitos dos sonhadores de Hollywood.

Hollywoodiano padrão

Tommy Wiseau é um daqueles típicos personagens que chegam a Hollywood sonhando em se tornar estrelas de cinema e que acabam se frustrando no meio do caminho: ou porque não têm talento ou porque a indústria é muito competitiva e não há espaço para todos.

Mas Wiseau faz parte de um grupo bem específico e tem um perfil já retratado em outros clássicos do cinema como "Crepúsculo dos Deuses" e "Boogie Nights": o megalomaníaco delirante, que tem uma ideia de si mesmo que está longe da realidade dos fatos.

Ninguém sabe o nome verdadeiro de Tommy Wiseau nem sua idade ou mesmo de onde ele veio. Seu sotaque soa como originário do leste europeu, mas ele afirma que é americano de New Orleans. O montante de US$ 6 milhões que ele usou para financiar "The Room" tampouco se sabe a origem, mas é fato que ele é dono de um edifício que serve de cenário para seu filme em San Francisco e de um apartamento em Los Angeles.

Outro fato é sua completa falta de talento como ator, roteirista e diretor. Mas quem se importa com isso em uma cidade que lucra bilhões fabricando ilusões?

"The Room" - Reprodução - Reprodução
Tommy Wiseau em cena de "The Room"
Imagem: Reprodução

Depois de ouvir muitos "nãos", e influenciado por seu melhor amigo até hoje Greg Sestero, resolveu produzir seu próprio filme. Filmou "The Room" em 35mm e em HD, pagou para mantê-lo em cartaz por duas semanas para que fosse elegível para concorrer ao Oscar e, após a campanha pela estatueta, manteve por cinco anos um outdoor com um número de telefone para os interessados em comprar seu filme, instalado bem próximo de onde acontece a cerimônia da Academia e as mais badaladas premières.

James Dean contemporâneo

James Franco diz se identificar com Wiseau. "O cara vem aqui [em Hollywood], ouve 'não' de todo mundo e mesmo assim faz o filme acontecer. No fim das contas, Tommy Wiseau e eu somos parecidos", conta o ator, em entrevista ao UOL. "Mas o que mais que fascina é que ele é a história definitiva do sonho americano, do cara que se recusa a admitir que não é americano a ponto de se tornar parte do que é ser americano".

Para Franco, Wiseau se parece com um de seus heróis: James Dean. "Ele se empenhou tanto em apagar seu passado que eu pensei: 'Imagina esse menino, que via esses filmes americanos e dá um jeito de escapar para a América e ser artista de cinema'. James Dean era assim: a mãe morreu quando ele tinha oito anos, o pai o rejeitou e, de repente, ele viu os filmes e pensou: 'Esta é a minha salvação. Se eu me tornar bem-sucedido, eu serei amado e isto preencherá meu vazio'".

O ator lembra que Wiseau só topou vender os direitos da obra se aparecesse em alguma cena no filme --e que só aparece após os créditos. E que para interpretá-lo tinha expectativas mais ambiciosas. "Eu disse para ele: 'Cara, eu amo sua história e quero contá-la. Serei muito respeitoso e verdadeiro'. Perguntei quem ele queria que o interpretasse. 'Johnny Depp'. Eu ri. Greg [Sestero] sugeriu: 'Que tal você, James?'. Perguntei o que ele achava da ideia. 'Eu vi seus trabalhos, James. Você tem uns muito bons e outros muito ruins'".

Este definitivamente será lembrado como um dos papéis "muito bons" de James Franco. Uma pena que a excelente performance do ator ficará ofuscada por sua postura inapropriada.