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Filme sobre "aberração" do século 19 impressiona em Veneza

Cena do fime "Vénus noire" - Getty Images
Cena do fime "Vénus noire" Imagem: Getty Images

08/09/2010 12h48

Por Mike Collett-White

VENEZA, ITÁLIA - Um filme baseado na história verídica de Saartjie Baartman, uma mulher trazida da região que hoje é a África do Sul para a Europa no início do século 18 e exibida como aberração da natureza por causa de sua aparência, impressionou as plateias em Veneza.

"Venus Noire", dirigido pelo tunisiano Abdellatif Kechiche, é um dos 24 filmes da competição principal do festival anual, e as reações positivas após as sessões para a imprensa sugerem que seja um dos favoritos para os prêmios que serão entregues na cerimônia de encerramento, no sábado.

Yahima Torres faz o papel de Baartman, a chamada "Vênus hotentote" que viajou para Londres em 1810 e a Paris alguns anos depois na esperança de fazer fortuna e retornar a sua terra.

O filme, que recorda alguns aspectos de "O Homem Elefante" (1980), de David Lynch, começa com Baartman fazendo o papel de selvagem amansada diante de uma multidão agitada em Londres que demonstra ao mesmo tempo repulsa e fascínio por sua aparência e comportamento.

Ao mesmo tempo escrava de um senhor avarento e participante de uma atividade lucrativa, Baartman tinha algum controle sobre seu destino. Mas, depois de mudar-se para Paris, sua exposição tornou-se cada vez mais cruel e humilhante, e ela morreu como prostituta.

Após sua morte, cientistas franceses examinaram seus restos mortais, conservando cérebro e genitais para a posteridade e teorizando que ela seria mais próxima dos macacos que dos humanos europeus - logo, que seria de uma raça inferior.

Para Kechiche, a história de crueldade e intolerância tem repercussões até hoje.

"Acho que não é coincidência que as teorias de cientistas do passado repercutam e tenham repercutido até muito recentemente, por exemplo, no surgimento do fascismo na Europa", disse o diretor a repórteres em Veneza. "Senti que eu tinha o dever moral de testemunhar as coisas que continuam a acontecer até hoje."

"Neste momento particular no tempo, estou muito preocupado, até angustiado com as imagens que vejo das expulsões", disse ele, aparentemente aludindo à repatriação recente de ciganos da França para a Europa oriental. "Quero dizer que, infelizmente, o filme faz parte da sociedade contemporânea, é muito relevante para a sociedade contemporânea."

Kechiche se interessou em fazer um filme sobre Baartman quando a África do Sul pediu à França que devolvesse os restos mortais dela, que até meados dos anos 1970 estavam expostos no Museu do Homem, em Paris. Os restos mortais foram devolvidos à África do Sul em 2002 e sepultados na província do Cabo, onde Saartjie Baartman nasceu.