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"Depois de Maio" recria o clima de rebeldia da geração de 1968

Alysson Oliveira

Do Cineweb*

25/04/2013 16h33

O título internacional do filme francês "Depois de Maio" ("Aprés Mai", no original) é "Something in the Air", o que para muita gente pode remeter à música homônima da banda britânica Thunderclap Newman -- e isso pode não ser por acaso. A canção, lançada em 1969, representa muito bem o espírito de seu tempo -- tal como o filme, dirigido por Olivier Assayas ("As Horas de Verão" e a série "Carlos").

"Precisamos ficar juntos agora ou depois, porque a revolução está aqui" são os versos da música que melhor resumem o protagonista, Gilles (Clément Métayer), jovem francês de 18 anos com desejo de mudar o mundo, um típico representante da geração que em 1968 foi às ruas para concretizar esse anseio.

Mas Assayas busca, mais do que o momento histórico, a intersecção deste com o destino pessoal do protagonista. E, até onde se pode inferir, deve haver muito dele mesmo no personagem, filho de um executivo de televisão que sonha em fazer cinema. Há também um quê de François Truffaut no personagem, especialmente em suas aventuras amorosas repletas de dúvidas.

Para poder mudar o mundo, Gilles precisa, primeiro, encontrar o seu lugar nele. Esse processo é intuitivo e compartilhado por amigos praticamente com os mesmos desejos, dúvidas e inseguranças. Antes da revolução - como diz a música inglesa - é preciso ficar junto de alguém. Mas de quem? Laure (Carole Combs) muda-se para a Inglaterra com os pais e se apaixona novamente. Christine (Lola Créton) é a presença constante, e, às vezes, mais a melhor amiga do que a namorada. Ela também quer ser cineasta, mas tem uma visão bem diferente do rapaz sobre a profissão. Já seu amigo Alain (Felix Armand) se apaixona por uma ruiva norte-americana (India Salvor Menuez).

VEJA TRAILER LEGENDADO DO FILME "DEPOIS DE MAIO"

Valendo-se desses personagens, Assayas faz um retrato da contracultura, de pessoas da classe média num dilema alimentado por seu ardor revolucionário. Depois da exibição numa praça na Itália de um filme engajado sobre trabalhadores, alguém pergunta: "O cinema revolucionário não deveria empregar uma sintaxe revolucionária?" A resposta está no próprio "Depois de Maio", que, aos poucos, desmistifica a questão.

Mais do que somente criar uma narrativa, Assayas recria a sensação de pertencer a uma época. Uma das maneiras mais eficientes que achou para isso é o uso da música. Canções inteiras -de bandas como The Incredible Sting Band (também tocada nos créditos finais de "As Horas de Verão"), Tangerine Dream e Soft Machine, além de cantores como Syd Barret e Nick Drake - servem de fundo para as cenas como um fluxo contínuo das interações entre os personagens.

Isso tudo aliado à reconstrução história -- no figurino, direção de arte e na impressionante cena do confronto entre ativistas e a polícia em Paris, em 1971 - faz deste um filme histórico, mas sem o peso da história. Não é o olhar para trás, mas se inserir num momento do passado e fazer deste o presente da narrativa. Dessa forma, paira o clima de esperança e energia revolucionária, uma vez que, como sabemos, os sonhos e o projeto de 68 acabaram frustrados. Mas disso os personagens ainda não sabem.

Muito do frescor de "Depois de Maio" (vencedor do prêmio de roteiro no Festival de Veneza 2012) vem das interpretações dos jovens atores. Todos -exceto Lola Créton, que atuou em "Adeus, Primeiro Amor" - são estreantes. Já a fotografia do francês Éric Gautier ("Diários de Motocicleta") parece evocar uma nostalgia saudável de um passado bastante conhecido e, curiosamente, amado por muitos que nem haviam nascido.

O "Depois de Maio" do título é, de certa forma, sobre o imediato do pós-68, mas também não deixa de reverberar até hoje.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb