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Comédia "Cine Holliúdy" combina gíria regional com humor ingênuo

Neusa Barbosa

Do Cineweb*

14/11/2013 14h44

A globalização, que varreu o mundo, não mudou uma regra básica do entretenimento --para fazer sucesso, um filme tem que falar a língua do seu público. Foi isto que fez, caprichando no tempero regional, a comédia brasileira "Cine Holliúdy", de Halder Gomes. Fenômeno de bilheteria no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, acumulou, desde seu lançamento em agosto, cerca de 450.000 ingressos.

Logo na primeira cena, uma antiquíssima ficha da Censura Federal aparece, advertindo que o filme tem "cenas de cearensidade explícita". Por isso, se quer dizer que os personagens adotarão com gosto algumas das expressões mais divertidas do linguajar cearense, caso de "catrevage" (coisa velha), "cangapé" (chute rodado) e "ispilicute" (mulher atraente). Para facilitar, o filme circula com legendas, embora não "traduza" as expressões citadas.

A estreia no Sudeste, que ocorre três meses depois do lançamento em outras regiões do país, contraria a regra habitual do mercado cinematográfico, mas faz todo o sentido. Afinal, na estreia inaugural, em Fortaleza, com apenas 9 cópias, o filme foi visto por 100.000 pessoas. Atualmente, circula em 43 cópias: 15 em São Paulo, 15 no Rio, 10 em Belo Horizonte, 10 em Vitória e 3 no Ceará.

Não se pode garantir, evidentemente, que Cine Holliúdy terá, no Sudeste, o mesmo desempenho --apesar da grande comunidade nordestina de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo. Mas é fato que a comédia transpira um frescor com vocação popular que sintoniza, ao mesmo tempo, com os filmes-pastelão do cinema mudo, com Buster Keaton e Charles Chaplin, com a graça ingênua e caipira de Mazzaropi e também com o humor físico dos Trapalhões.

Fora o roteiro esperto do próprio Halder Gomes --diretor versátil, de filmes como o drama espírita "As Mães de Chico Xavier" (2011) e do terror "Cadáveres 2" (2008)--, o grande trunfo da comédia é o admirável protagonista, Edmilson Filho, que encarna com muita energia e preparo físico Francisgleydisson, um amante de Bruce Lee e das artes marciais que se apaixonou pelo cinema.

O tempo da história é os anos 1970, ainda ditadura militar (o que justifica a ficha da Censura Federal do início). A televisão está chegando com força às cidades do interior, varrendo os cinemas, que fecham um atrás do outro.

Francisgleydisson não se abala com isso. Pega a mulher, Maria das Graças (Miriam Freeland), e Valdisney (Joel Gomes), e se muda para a pequena Pacatuba, disposto a ressuscitar um cinema local. Na bagagem, a bordo da perua amarela "Wanderléa", muitas latas de velhos e alucinados filmes de kung fu.

Em Pacatu, o novo administrador do cinema tem que lidar com todo tipo de problemas, da falta de dinheiro, às pressões de fiscais e de um ambicioso prefeito, Olegário Elpídio (Roberto Bomtempo), que inaugura até banco de praça.

Esses pequenos detalhes, mais a notável gama de personagens --como o cego desbocado vivido pelo cantor Falcão--, reforçam a ambição da comédia, que vai mais longe do que alguns esperariam em seu conceito sobre o mundo e a arte de contar histórias. E sem perder aquele sabor de improvisação, visível nos filmes de kung fu exibidos no cinema de Francisgleydisson e nas reações da plateia.

Aliás, "Cine Holliúdy" é um grande teste para os refinados e sisudos, que acham que não se ri mais de piadas politicamente incorretas, embaladas por vários sucessos do cantor brega Márcio Greyk, que também faz uma ponta, como o comprador pilantra da "Wanderléa".

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb