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Canibalismo e fanatismo religioso temperam o terror "Somos o que Somos"

12/12/2013 11h45

Há um trocadilho infame, porém coerente, quando dizemos que não é fácil digerir histórias de canibalismo. Ainda mais quando elas não ocorrem em tribos distantes do Pacífico Sul, mas em zona urbana, realizada por uma família insuspeita e amparada por uma interpretação religiosa enviesada.

Esse é o mote de "Somos o que Somos", o novo filme de terror de Jim Mickle (de "Anoitecer Violento"), que estreia em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília nesta sexta-feira (13). Diretor sem muita expressão no Brasil, seus filmes tendem a sair do convencional e da mesmice que marcam grande parte das produções do gênero. Embora não necessariamente acerte, pelo menos tenta outros rumos ao escrever seus próprios roteiros.

Desta vez, Mickle se inspirou em um vigoroso filme homônimo mexicano, dirigido por Jorge Michel Grau (2010), para moldar sua história. Mas, vistas lado a lado, as produções nada têm em comum além do canibalismo e de uma família desequilibrada. Daí a sensação de se assistir a dois filmes completamente diferentes.

Na versão americana, o roteiro foca a família Parker, considerada amigável e altruísta pela população da pequena cidade interiorana onde vive. Porém, já nas primeiras cenas, chama a atenção a estranha, e aparentemente gratuita, morte da matriarca Emma (Kassie DePaiva), pouco antes de chorar ao ver um aviso sobre pessoas desaparecidas.

Sua família também não poderia ser mais estranha entre quatro paredes. O pai Frank (Bill Sage), bruto e enigmático, envolve suas filhas Rose (Julia Garner) e Iris (Ambyr Childers) e o pequeno Rory (Jack Gore) em uma onipresente atmosfera de tensão religiosa. Ainda mais quando deixa claro para Iris, a mais velha, que ela deverá assumir as responsabilidades de sua mãe.

O problema é que essas tarefas vão além das domésticas, incluindo aí o preparo da celebração do Dia do Cordeiro. Há muitas interpretações para o significado dessa data, como a volta de Jesus Cristo (que atuará como uma espécie de juiz). Porém, aqui, trata-se de um sacrifício, mas o que se escuta preso no porão não soa exatamente como um cordeiro.

Paralelamente, o médico legista local Barrow (Michael Parks), cuja filha desapareceu, começa a desconfiar da família ao encontrar um osso humano perto da casa dos Parkers. Enquanto o cerco se fecha, as filhas começam a se opor ao pai, que ameaça perder o controle.

Centrada na tensão familiar, a produção de Mickle tem como pano de fundo a fé cega, que obriga os demais a seguir os rituais tenebrosos mostrados durante a projeção. Apesar disso, o diretor não exagera nas cores das imagens mais brutais, muitas vezes omitidas.

O resultado, no entanto, é irregular. Com excelentes cenas, em especial quando as filhas enfrentam o pai, falta à história mais cuidado com o que ocorre fora da casa. Personagens secundários são simplesmente jogados na trama, como a vizinha Marge (Kelly McGillis), sem muita serventia.

Mesmo a reconstituição dos motivos para a brutal prática (que remontam ao século 18) parece frouxa e sem o impacto necessário para entender essa família tão disfuncional.

Mickle quer construir algo novo, uma nova forma de fazer terror no cinema. O que se percebe é que ele está amadurecendo, com produções que ganham força. Sua motivação não é assustar, mas deixar as pessoas tensas quando olham para a tela. E o diretor acerta, mas infelizmente só quando o espectador espia a casa dos Parkers.

(Por Rodrigo Zavala, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb