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"Eles Voltam" investiga conflitos da elite nacional contemporânea

Alysson Oliveira

Do Cineweb*

06/03/2014 13h13

A produção pernambucana "Eles Voltam" é um filme sobre a jornada de um herói. O fato de esse herói ser uma menina de 12 anos é bastante revelador e, ao mesmo tempo, complicador dessa trajetória. Ganhador de diversos prêmios no Festival de Brasília de 2012 --entre eles, o da crítica e de atriz, para Maria Luiza Tavares-- o longa escrito e dirigido pelo estreante Marcelo Lordello acontece num vácuo entre o ser e o estar.

Dessa investigação pessoal, emergem fraturas sociais de nosso tempo. O filme estreia nesta sexta-feira (7) em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Recife.

Os adolescentes Cris (Maria Luiza Tavares) e seu irmão mais velho, Peu (Georgio Kokkosi), são deixados pelos pais na beira de uma estrada, depois de uma discussão entre os garotos. Sem qualquer explicação, a dupla se senta no acostamento e espera, pensando: "Eles voltam. Afinal, sempre voltaram."

Mas dessa vez é diferente. O tempo passa, nada acontece. O celular dos pais não completa a ligação. Carros, bicicletas, carroças passam por eles. Essa primeira parte é um road movie, em que a estrada se move e os personagens ficam estáticos.

Lordello, seu filme e sua câmera logo fazem uma opção por Cris -talvez em sua inocência e ingenuidade ela seja mais interessante, um personagem mais rico e revelador.

O irmão vai até o posto de gasolina, e ela fica ali, sozinha. Quando parece que o filme se contentará apenas com a garota no acostamento, é que "Eles Voltam" começa de verdade.

Cris não é passiva, sai andando com um sujeito de bicicleta que promete água, abrigo e ajuda para encontrar os pais. O fato de tocar "Tudo o que você podia ser" já é uma pista --as oportunidades perdidas devem ser resgatadas para o amadurecimento da heroína.

Cris é de Recife, da classe alta. Uma elite que tem sido retratada nas produções recentes e, de certa forma, sintetiza esse mesmo extrato social do Brasil como um todo. A garota não é culpada das mazelas, mas é preciso que sua bolha exploda para que ela possa descobrir o mundo. Em seu caminho, a heroína conviverá com pessoas de classes mais baixas, com experiências até então distantes de seu mundo.

Nesse sentido, duas coisas são substanciais: a presença da jovem Maria Luiza e a estrutura do filme colada à personagem.

Primeiro, a atriz estreante: seu rosto é a dúvida materializada. Suas poucas palavras são de incerteza e busca. A intérprete injeta densidade a Cris por meio de seu olhar, sua insegurança, o medo diante da descoberta e do amadurecimento inevitáveis. É difícil imaginar o filme com outra pessoa no papel.

A personagem é o centro das atenções, e é pelos olhos dela que observamos o mundo. Sua contradição --o que a humaniza muito-- está em ver sem compreender.

"Eles Voltam" acompanha esse processo de amadurecimento que é a formação de repertório para entender o mundo que a cerca.

Lordello busca no diálogo entre Cris e o outro a dinâmica da sociedade, de um país à procura de si mesmo, no qual fraturas sociais expostas denunciam a diferença e a incapacidade de compreensão, mas também a necessidade de descoberta e simbiose.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb