Topo

Comédia "Amante a Domicílio" tem atuação e estilo de Woody Allen

Nayara Reynaud

Do Cineweb

30/04/2014 17h04

À primeira vista, o espectador pode até se confundir e achar que "Amante a Domicílio" (2013), que estreia nesta quinta (1°), é um longa de Woody Allen. Não só por ele ser o coprotagonista da história o diretor raramente atua em projetos que não são seus, mas porque o filme bebe das influências da sua obra como cineasta: desde a escolha do cenário, tendo Nova York como pano de fundo, passando pelo texto e a direção, até a trilha sonora repleta de jazz instrumental.

No entanto, trata-se do sexto trabalho de John Turturro filho de uma cantora de jazz amadora - na direção. O ator, que esteve no elenco de "Hannah e Suas Irmãs" (1986), além de dirigir uma peça de Woody na Broadway, já nutria o desejo de uma parceria com o cineasta, desde que o barbeiro que cortava o cabelo de ambos disse que eles deveriam fazer algo juntos.

Mas só agora Turturro se sentiu à vontade para escrever um roteiro que conseguisse agregar seu tom dramático à comicidade do ídolo/colega. O resultado pode não ser inteiramente satisfatório na mistura de gêneros nesta dramédia ou no roteiro que força algumas situações, mas não deixa de ser um filme simpático, além de ser agradável ao público assistir Allen, com aquele jeito tão peculiar, interpretando um gigolô. Exatamente: o renomado cineasta dá vida a um cafetão em "início" de carreira.

"Amante a Domicílio" começa justamente quando seu personagem, Murray, é obrigado a fechar sua livraria. Ele tocava o negócio durante anos e foi lá que ele conheceu Fioravante (John Turturro), então menino, furtando seu estabelecimento.

Depois de uma conversa com sua dermatologista, a doutora Parker (Sharon Stone), que desejava experimentar um ménage a trois com sua amiga, Selima (Sofía Vergara), e outro homem que não fosse seu marido, o livreiro falido vê a oportunidade de mudar de área e investir no agenciamento do seu colega floricultor que também faz uns bicos de eletricista na dita "profissão mais antiga do mundo".

Fioravante resiste a princípio, mas acaba aceitando a proposta tentadora do amigo e faz sucesso entre as clientes.

Logo em um dos diálogos iniciais, escritos pelo próprio Turturro, que também é o roteirista, o protagonista duvida da sua capacidade para esse tipo de trabalho, já que não seria tão belo. Murray, porém, diz que ele não é muito bonito, mas tem a masculinidade que as mulheres desejam.

Como as cenas de sexo não são explícitas ou longas suficientemente para o espectador descobrir o que Fioravante tem de especial na hora H, só é possível inferir que as mesmas mãos que arrumam buquês de flores, consertam fiações, roubam e cozinham devem ter outras habilidades.

Quando a doutora Parker o compara a uma estante muito alta, difícil de alcançar, entende-se que ele dá as suas clientes a atenção e o carinho que elas não receberam até então em seus relacionamentos, ao mesmo tempo em que mantém a distância necessária para incitar o desejo e a curiosidade nelas.

Mesmo assim, o fato de mulheres interpretadas por Sharon Stone, evocando sua imagem de "Instinto Selvagem" (1992), e Sofía Vergara, com sua beleza e furor latinos, solicitarem os serviços sexuais de alguém como John Turturro pode parecer, para alguns, apenas uma auto-massagem no ego feita pelo diretor para outros, somente uma piada que ele fez sobre si mesmo.

A despeito disso, o roteiro peca na maneira como coloca outra mulher no caminho de Fioravante e, consequentemente, introduz o romance e o drama na história.

No primeiro caso, é estranho pensar que somos apresentados a Avigal (Vanessa Paradis) quando Murray, um judeu não tão praticante, leva os filhos da mulher com quem vive junto (Tonya Pinkins) para o Brooklin porque uma das meninas está com piolho e lá, na vizinhança repleta de judeus hassídicos, vive esta viúva que "limpa" o cabelo das crianças.

No primeiro momento, a imagem de confronto de etnias diferentes, neste caso, judeus versus afroamericanos, no cotidiano do bairro com casas tão características, remete logo ao "Faça a Coisa Certa" (1989), de Spike Lee, em que o próprio Turturro esteve no elenco.

Dois anos depois da morte do marido, que era um rabino, Avigal continua cuidando da mais de meia dúzia de filhos deles e vivendo isolada naquela comunidade, onde é observada por todos, principalmente pelo guarda da região, Dovi (Liev Schreiber), que não gosta de sua aproximação com Fioravante.

Quanto à segunda questão, o problema é que a subtrama, apesar de trazer os momentos mais tocantes do filme, poderia ser desenvolvida de maneira que a dramédia romântica, em todas as suas nuances, funcionasse de maneira mais orgânica.

Mesmo assim, para o espectador, a entrada de Avigal na história garante, além da ótima atuação de Vanessa Paradis no papel da viúva judia e da sinceridade com que Liev Schreiber encarna seu Dovi, belíssimas cenas, como a do choro no primeiro toque, a do momento em que ela revela seu verdadeiro cabelo para Fioravante com destaque para a fotografia de Marco Pontecorvo - e a cena do tribunal, em que a solidão e a opressão da mulher em uma cultura altamente machista são escancaradas.

O resultado é uma obra que, se peca aqui e ali, não erra ao falar do isolamento e da necessidade do ser humano de ter contato com seus semelhantes.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb