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Filme afegão "A Pedra de Paciência" discute opressão feminina

Neusa Barbosa, do Cineweb

Em São Paulo

20/08/2014 16h52

Indicado para representar o Afeganistão na disputa de uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2013, "A Pedra de Paciência", de Atiq Rahimi, é, ao mesmo tempo, uma reflexão sensível sobre a situação política e social daquela região como um reflexo da contínua expulsão de talentos que o estado de guerra e o fundamentalismo, associados, ali produzem. O filme estreia nesta quinta (21).

Um bom exemplo está no próprio diretor e roteirista, radicado na França desde meados dos anos 1980 e que adapta na tela seu premiado romance de 2008, vencedor do prestigiado troféu Goncourt e traduzido em mais de 30 línguas. Para a versão cinematográfica, Rahimi contou com a preciosa parceria do veterano roteirista de Luis Buñuel, Jean-Claude Carrière ("A Bela da Tarde").

Outro exemplo desta diáspora está na atriz principal de "A Pedra de Paciência", a iraniana Golshifteh Farahani ("Procurando Elly"). Desde 2008, ela se radicou em Paris, após ser acusada de "colaboração com o Ocidente" por ter integrado o elenco da produção hollywoodiana "Rede de Mentiras", com o astro Leonardo DiCaprio.

Sem perder de vista uma forma e um tom eventualmente poéticos, o enredo materializa uma situação de inconformismo e mesmo confronto da protagonista, uma mulher sem nome, que se vê forçada a manter vigília quase ininterrupta sobre o marido em coma (Hamid Djavadan).

Bem mais velho do que a esposa, com quem se casou por arranjo à distância, há dez anos, ele é um jihadista veterano. Ironicamente, a bala que o mantém em seu estado letárgico foi fruto de uma briga sem conotação política.

Pobre e solitária, refugiada numa casa em ruínas, continuamente bombardeada numa guerra sem fim, a mulher luta como pode para alimentar as duas filhas pequenas e manter vivo o marido.

Mas o farmacêutico se recusa a fiar-lhe mais medicamentos, mesmo o soro que indispensável ao doente. Até o entregador de água desapareceu momentaneamente, por conta dos combates. E o mulá (Mohamed Al-Maghraoui) apenas diz à mulher para que reze, não pare de rezar.

O isolamento transforma a mulher numa falante contumaz. Afinal, nunca o marido a ouviu tanto, ainda que não se trate de uma atitude espontânea. Pensando bem, este permanente monólogo por vezes ganha a aparência de uma estranha "DR". Encorajada pela falta de interrupções e protestos por parte do marido, ela ganha coragem de passar a limpo sua vida, seus sentimentos em relação ao casamento, à frieza e à distância dele.

Cada dia com maior liberdade, a jovem mulher chega a confissões mais íntimas e mesmo revelações que, caso o marido a ouvisse, ensejariam uma reação violenta dele. Graças ao talento da atriz, este contínuo relato, por vezes interrompido por situações externas —um bombardeio, uma passagem de soldados —nunca entedia.

Além do mais, graças à qualidade do texto, expõe muito sobre a condição feminina, a guerra santa islâmica, o peso de costumes sociais e religiosos ultraconservadores sobre os anseios pessoais, especialmente das mulheres.

Dois personagens interferem nesta solidão contínua, oferecendo um contraponto. Um deles é a tia da jovem (Hassina Burgan), uma mulher que também teve que romper com a rigidez de uma sociedade que se pretende imutável. Outro é um jovem soldado (Massi Mrowat), que se insinua na rotina da moça quando esta, para se defender de um ataque, alega ser prostituta —o que, ironicamente, a salva de estupro.

As visitas do jovem soldado colocam em primeiro plano a sexualidade, assunto-tabu neste contexto. E permitem ao relato ambicionar mais no sentido de se transformar num simples, mas eficiente, libelo pela liberdade.

Devido à instabilidade política no Afeganistão, apenas umas poucas cenas externas foram filmadas naquele país. A maior parte da produção foi realizada no Marrocos.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb