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Jake Gyllenhaal encarna repórter amoral em "O Abutre"

Neusa Barbosa

Do Cineweb, em São Paulo

17/12/2014 17h06

Uma clara referência do título brasileiro do drama de estreia do diretor Dan Gilroy, "O Abutre" remete ao clássico "A Montanha dos Sete Abutres" (51), de Billy Wilder, uma correspondência perfeita entre dois filmes que abordam com sinistra precisão até onde pode levar a falta de limites do jornalismo sensacionalista. O filme estreia nesta quinta (18).

Protagonista e produtor do longa, o ator Jake Gyllenhaal empenhou-se visivelmente na construção do personagem de Louis Bloom, que vem lhe valendo indicações em premiações importantes, caso do Globo de Ouro e do Sindicato dos Atores.

Seu esforço certamente não se esgota no aspecto físico, ainda que impressionem a perda de 15 quilos e o rosto encovado em que os olhos esbugalhados se destacam. O personagem é o habitante ideal dos becos de Los Angeles, onde procura, aflito, algum meio de sobrevivência no desemprego.

Uma noite, ao presenciar um grave acidente de automóvel, em que a vítima ferida ficou presa nas ferragens, Louis descobre que esse tipo de situação é um prato cheio para repórteres free lancers, que chegam com suas câmeras junto com a polícia e os bombeiros, às vezes até antes deles.

Homem solitário, de quem não se sabe o passado e cujas relações humanas são inexistentes --a Internet é sua única fonte de informação--, Louis descobre ali uma espécie de vocação. Antes, sofre para descobrir do que precisa, já que veteranos como Joe Loder (Bill Paxton) não estão a fim de entregar o ouro a nenhum concorrente em potencial.

Correndo por fora, por seus próprios meios Louis consegue uma câmera e percebe que o segredo é entrar na frequência do rádio da polícia. A partir daí, ele se torna um perdigueiro das histórias de sangue, perseguindo acidentes, tiroteios, todo tipo de crime violento. É assim que ele encontra um meio de se afirmar no mundo.

Uma parceira nesta nova vida é Nina Romina (Rene Russo), veterana editora de uma emissora de TV de segunda linha, em que o trabalho de Louis começa a despontar, especialmente porque ele começa a seguir todos os conselhos dela, sem nenhum escrúpulo.

Criador e criatura se completam num círculo vicioso, ainda que humano, que sintoniza a decadência, o medo de perder o espaço, a irrelevância num mundo marcado pela competição e a sede de sangue alheio, que satisfaz um público voraz, uma audiência crescente.

Roteirista veterano ("O Legado Bourne"), Dan Gilroy estreia na direção com um filme de ritmo nervoso, que tira bom partido da dedicação de seus intérpretes, da fotografia sombria de Robert Elswit (parceiro habitual do premiado diretor Paul Thomas Anderson) e da inegável propriedade de seu tema.

Membro de um clã cinematográfico a que pertencem o também cineasta Tony Gilroy (seu produtor aqui) e o montador John Gilroy (que assina a edição do filme), Dan assina uma obra repleta de referências cinematográficas sutis a uma série de filmes e não só os que falam de jornalismo.

Intérprete afinado, Gyllenhaal cria um anti-heroi assustador e atordoante, que em alguns momentos parece uma atualização grotesca do jardineiro alienado vivido por Peter Sellers em "Muito Além do Jardim", noutros, uma espécie de versão proletária do executivo sociopata vivido por Robert Pattinson em "Cosmópolis".

"O Abutre" não foi feito para embalar o sono de ninguém, antes, para assombrar consciências sobre fenômenos que, se não são novos, continuam sinistramente atuais.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb