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Juliette Binoche é veterana abalada com a idade em "Acima das Nuvens"

Alysson Oliveira

Do Cineweb, em São Paulo

07/01/2015 15h42

Num mundo em que ingenuamente cremos que as fronteiras estão se enfraquecendo, é natural que a arte não apenas dê conta disso, como também utilize tal estratagema a seu favor. Mas esse também é um mundo regido pelo capital financeiro, então essa mesma arte estará sujeita aos seus caprichos.

"Acima das Nuvens", drama do francês Olivier Assayas que estreia nesta quinta (8), é um filme que não apenas dá conta disso em sua trama, como também incorpora tal fenômeno em sua forma.

Maria (Juliette Binoche) é uma atriz veterana e adorada pelo seu talento e profissionalismo. Reservada, pouco se sabe sobre sua vida. Enfim, é uma típica intérprete francesa, mais interessada em sua arte do que em se autopromover.

Em caso de incêndio, ela pode contar com sua assistente pessoal, Valentine (Kristen Stewart), de quem não desgruda, e com quem parece manter uma relação ambígua nunca sabemos ao certo quais tipos de laços realmente estão em jogo entre as duas mulheres. Em todo caso, ambas parecem confortáveis com a situação.

A atriz recebe um convite para trabalhar numa nova montagem da peça que a fez famosa, quando tinha 19 anos. Agora, obviamente, não fará mais o papel da personagem jovem, que seduz uma mulher mais velha, essa que agora Maria foi convidada a interpretar.

É um golpe no ego, afinal, como assumir que a idade chegou até então, ela poderia parecer (ou fingir) estar sentindo-se muito bem com o amadurecimento, mas não é o que se vê.

Ainda em dúvida, mas se preparando para a montagem, ela se instala numa casa na região de Maloja, na Suíça, onde o dramaturgo (um grande amigo seu) morava quando escreveu a obra.

Com ajuda de Valentine, Maria repassa o texto e acompanha na Internet os novos escândalos envolvendo a vida de sua colega de elenco, a norte-americana Jo-Ann Ellis (Chloë Grace Moretz), cuja vida atribulada lembra a de atrizes como Lindsay Lohan.

O efeito da globalização personagens de vários cantos do mundo, cenas em diversas cidades parece questionar a mercantilização da arte.

Não que isso seja uma novidade, mas Assayas se indaga o que isso agrega, para usar uma palavra da moda. Romancista francês é amante de atriz americana que está na Suíça para ensaiar uma peça que será montada em Londres, protagonizada por uma francesa.

É o falso esmaecimento das fronteiras que ajuda na capitalização da arte. Ter como protagonista da peça uma jovem atriz americana ajuda a "vender o produto".

Maria e Valentine vão a um pequeno cinema assistir a um filme protagonizado por Jo-Ann, uma ficção científica com raios e explosões sem muita profundidade, mas de grande sucesso. A coletiva da qual a americana participa também é sintomática de um mundo onde as celebridades são supervalorizadas, mesmo que não tenham nada a dizer.

Ter algo a dizer é, em última instância, outra questão aqui. Assayas parece ter muito o que falar, mas nem sempre encontra a melhor maneira.

O filme-dentro-do-filme estrelado por Jo-Ann é artificial, frágil, pode ser lido até como um pastiche. Mas esse, por natureza, é esvaziado, e o efeito contamina "Acima das Nuvens". A obra, ao seu modo, diagnostica o nosso tempo, mas, muitas vezes, se contenta apenas em olhar, esquivando-se de uma crítica mais contundente ao estado da arte reflexo do estado do mundo.

O resultado é como a "Cobra de Maloja", tão citada aqui: uma nuvem que desce por entre as montanhas da região, como que devorando a paisagem ? e, em parte do tempo, o longa é apenas isso, uma nuvem que passa sem causar muito efeito.