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"Retorno a Ítaca" discute amor e decepção com realidade cubana

Neusa Barbosa

Do Cineweb, em São Paulo

10/06/2015 16h58

A panorâmica sobre Havana que abre "Retorno a Ítaca", de Laurent Cantet, define o olhar do filme sobre aquele país que é amoroso, realista e procura ser abrangente, nunca miúdo. Ou seja, explora as contradições do apego difícil por Cuba que une um quinteto de amigos maduros, cujo reencontro move a trama. O filme estreia nesta quinta (11).

Não fosse esse amplo e arejado panorama, descortinado a partir de um terraço de um dos tantos prédios arruinados do centro velho da capital cubana, se poderia dizer que o filme é um "huis clos" quase teatral, em que a câmera circula na intimidade destes personagens.

Se não chega a sê-lo é também porque o mar e outras paisagens da ilha estão sempre presentes no olhar dos amigos que se degladiam e se acolhem com tanta contundência e ternura ao longo da história, assinada por Cantet e pelo escritor cubano Leonardo Padura, a partir de personagens de uma de suas obras, "La Novela De Mi Vida".

Neste quinteto, está um mosaico humano exemplar da Cuba de hoje: Tania (Isabel Campos), uma médica que não consegue viver do minguado salário e cujos filhos e ex-marido se exilaram em Miami.

Aldo (Pedro Julio Díaz Ferrán), engenheiro que a custo consegue sobreviver reciclando baterias de automóveis; Rafa (Fernando Hechevarría), um pintor frustrado que vive de pinturas para turistas que detesta.

Também Eddy (Jorge Perugorría), que deixou de ser escritor para se tornar um bem-sucedido trambiqueiro, ativo em esquemas de mercado negro; e Amadeo (Nestor Jimenez), cuja volta da Espanha, depois de 16 anos, é o motivo da reunião dos velhos amigos de juventude.

Nas conversas do grupo, que se estendem por toda uma tarde e noite afora, saltam as lembranças, cobrindo desde os romances consumados ou não ao engajamento de todos, ainda jovens, nas tarefas de construção de uma revolução que lhes parecia então pura e justa e agora se lhes apresenta como um amontoado de desilusões, resultando num país que nenhum deles sabe em que vai dar.

Vencedor do prêmio de melhor filme na Giornate degli autori, importante mostra paralela do Festival de Veneza, em 2014, "Retorno a Ítaca" equilibra-se num admirável tour de force destes ótimos atores, empenhados sinceramente em reavaliar esse passado comum, oscilando entre a raiva, a amargura, a alegria e a compaixão com uma naturalidade sensível.

Sem dúvida, um dos segredos do êxito do diretor francês (vencedor da Palma de Ouro 2008 em Cannes pelo documentário "Entre os Muros da Escola") foi apostar na manutenção da língua local. Em nenhuma outra, aliás, poderia capturar-se o peculiar humor e a ternura cubanos, aliás, muito próximos da sensibilidade brasileira.

Se o filme pode ser lido como um retrato de melancolia e decepção, certamente não o é em relação à amizade e à vida. Sua jornada é, acima de tudo, uma crônica de reconciliação.

Assista ao trailer do filme

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb