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Longa "O Gorila" traz adaptação competente da novela de Sérgio Sant'Anna

Alysson Oliveira

Do Cineweb, em São Paulo

24/06/2015 16h12

A prosa cortante do escritor brasileiro Sergio Sant´Anna ("Crime Delicado") reverbera com força e acidez na adaptação de José Eduardo Belmonte ("Alemão") da novela "O Gorila" (publicada no livro "O Voo da Madrugada"). Filme estreia nesta quinta (25).

Duplamente premiado no Festival do Rio de 2012 melhor ator, Otávio Müller, e atriz coadjuvante, Alessandra Negrini—, o longa acompanha o calvário de Afrânio (Müller), um ex-dublador cujos problemas na gengiva o impedem de prosseguir na carreira e, aos poucos, consome sua existência.

Praticamente trancado num apartamento, seus poucos contatos com o mundo acontecem por meio de ligações telefônicas para desconhecidos, em que se identifica como "O Gorila".

Funcionando quase como um terapeuta e confidente, o protagonista incentiva seus interlocutores a realizarem seus sonhos como no caso da evangélica Lucy (Luiza Mariani), a quem sugere ser mais livre e explorar sua sexualidade; e Ariosto (Eucir de Souza), a quem incita a aceitar que gosta de se vestir com roupas femininas e dançar.

Se essas duas personagens ajudam a construir as ações do protagonista, será Cintia (Mariana Ximenes) quem o irá desconstruir. Se os outros dois são muito fáceis de dar-se a conhecer e descobrir o que sublimam em suas vidas, a garota é um mistério.

O Gorila não sabe se entrou na sua conversa, ou se está apenas brincando. Trabalhando com um roteiro adaptado por Cláudia Jouvin, Belmonte fica mais confortável quando a narrativa está nesse lusco-fusco de incertezas e dúvidas.

Outro elemento complicador que entra em cena é Rosalinda (Alessandra) vizinha bonita e insegura que se muda para o prédio de Afrânio. Ele não custa muito a descobrir o telefone dela e fazer ligações, com a vantagem de poder vê-la da janela enquanto fala ao telefone.

A garota não é uma presa tão fácil quanto os outros e talvez isso mesmo seduza o protagonista.

O grande problema da vida de Afrânio é não ter um Gorila para dizer a ele "faça". Então ele se consome em seus medos e decepções do passado revividas em flashbacks com sua mãe (Maria Manoella, que, como sempre, é uma presença iluminada).

Belmonte e sua roteirista sabem que os segredos e jogos do protagonista, no entanto, não seriam suficientes para segurar um filme. Entra em cena, então, uma trama policial envolvendo Cíntia e fatos que podem ser delírios ou não de Afrânio.

A personagem mais famosa a quem o dublador no passado emprestou a voz é um detetive de um enlatado americano, McCoy (Rodrigo Fregnan), que segue a cartilha dos seriados policiais televisivos ou seja, uma simplificação do gênero do cinema.

É claro que não é para se levar a sério esse pastiche de noir, feito com objetivos cômicos e catalisadores dentro de "O Gorila". Inspirando-se nessa figura é que Afrânio começa a investigar o que possa ter ocorrido com Cíntia.

Aqui, Belmonte está distante do sentido mais épico do crime que buscou em "Alemão". Na realidade, está mais próximo do intimismo transgressor de seus principais filmes "Meu Mundo em Perigo", "Se Nada Mais Der Certo".

Seu olhar para figuras à margem (o que não quer dizer necessariamente marginais) é de cumplicidade, uma vontade de compreendê-los e lhes dar voz. Nesse sentido, é sintomático que o protagonista seja um dublador.

Assista ao trailer do filme

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb