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ESTREIA-"O Último Cine Drive-in" celebra poder de transformação do cinema

19/08/2015 16h43

SÃO PAULO (Reuters) - “O Último Cine Drive-In”, primeiro longa do brasiliense Iberê Carvalho, é um filme sobre lugares e não-lugares, e sobre como a ocupação é a resistência à especulação.

O cinema do título é um espaço decadente, nos arredores de Brasília – uma cidade, aliás, aqui mostrada vazia, saturada pelo ar seco, inóspita, quase o cenário de um pós-apocalipse.

No último final de semana, a produção ganhou quatro troféus em Gramado: ator (Breno Nina), atriz coadjuvante (Fernanda Rocha), direção de arte e crítica. Além de já ter participado e sido premiado em diversos festivais – como Rio, Punta del Este e Cine Las Americas.

Marlonbrando (Breno Nina) volta ao Distrito Federal, para cuidar da mãe, Fátima (Rita Assemany), que está num hospital público. Sem muitas perspectivas – nem dinheiro ou local para ficar –, é obrigado a procurar seu pai, com quem não tem contato há anos. Ele é Almeida (Othon Bastos), dono do último cine drive-in da cidade – um local que parece resistir à especulação imobiliária, mas que tem os dias contados.

É pelos laços e embates entre pai e filho que o diretor e seu corroteirista, Zepedro Gollo, organizam o filme. Brando, como é chamado, é obrigado a se hospedar num dos pequenos cômodos da casa do pai, nos fundos do drive-in, obrigando o deslocamento da operadora cinematográfica Paula (Fernanda Rocha), a projecionista. Os dias do rapaz se dividem entre o hospital com a mãe e observar a decadência do cinema do pai.

Mesmo com pouco movimento – “só serve como motel a céu aberto”, diz um personagem –, Almeida não desiste de seu drive-in. Faz esquemas com o amigo que agora é dono de uma rede de cinemas de shopping e peita um político (Zécarlos Machado) que quer tomar o imenso espaço. Almeida e sua trupe – que inclui o bilheteiro/faxineiro Zé (Chico Sant'anna), no entanto, resistem bravamente.

O vazio do imenso estacionamento do cinema contrasta com o excesso de pacientes no hospital, inclusive em seus corredores. São os contrastes que convergem para a agonia: do cinema e de Fátima, diagnosticada com uma doença incurável.

Nesse momento, “O Último Cine Drive-In” poderia virar um filme de lágrimas, mas o diretor e seu roteirista sabem como ser emotivos sem cair na pieguice, tratando o drama humano de forma delicada e honesta.

Há, é claro, uma homenagem ao próprio cinema – não apenas no nome do protagonista, como nos pôsteres espalhados pelo escritório e a casa de Almeida, além da trilha sonora com temas que lembram faroestes. Mas o que o longa aponta é o poder de transformação e união da arte. Apenas o próprio cinema poderá salvar o drive-in da extinção, assim como aproximar pai e filho e confortar a mãe.

No escritório/casa de Almeida há diversos pôsteres nas paredes – desde os mais óbvios (alguns com Marlon Brando e “Cinema Paradiso”) até um que é recorrente nas cenas, e chama a atenção: “As Invasões Bárbaras”, do canadense Denys Arcand. O longa, de 2003, fala do enfraquecimento das utopias da geração de 1960, diante da ascensão do neoliberalismo, entre outras coisas. Um grupo de homens e mulheres discute os seus sonhos e fracassos. A referência que o longa brasileiro parece buscar está exatamente no movimento contrário – o de celebrar o direito de sonhar.

A resistência de Almeida diante das pressões emocionais, econômicas e políticas é uma vitória da persistência e, por que não?, da utopia. Sua insistência em acreditar transforma os seus não-lugares em campos povoados pelas possibilidades.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

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