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ESTREIA-Chileno "O Clube" discute má consciência sobre crimes de ex-padres

30/09/2015 17h48

SÃO PAULO (Reuters) - Em seu novo drama, “O Clube”, o diretor chileno Pablo Larraín cria uma trama que entrelaça relações de poder e os acobertamentos da Igreja Católica, numa história que focaliza um refúgio de ex-padres culpados de algum tipo de crime, no litoral do Chile.

O filme, que venceu o Urso de Prata (Grande Prêmio do Júri) no último Festival de Berlim é, mais uma vez, resultado de um amplo trabalho de pesquisa e construção dramatúrgica, como em todas as obras deste excelente diretor, que já filmou antes “Tony Manero”, “Post Mortem” e o recente “No”, que foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro.

Pelo rigor e profundidade do filme, foi surpreendente a declaração do ator Alejandro Goic, que representou o elenco no Cine Ceará, em junho – onde o filme foi mais uma vez premiado - de que se tratou de uma “filmagem de guerrilha”, ou seja, realizada em escassos 19 dias, sem ensaios prévios, em jornadas de trabalho intensivas e com equipe técnica reduzidíssima.

O resultado final traduz essa urgência e também a grande experiência não só do diretor, como de seus co-roteiristas (Guillermo Calderón e Daniel Villalobos), com passado como dramaturgos, assim como seus principais atores, caso de Goic e também de Jaime Vadell, Alejandro Sieveking, Roberto Farías e Alfredo Castro (um ator-fetiche do diretor, presente em todos os seus trabalhos anteriores).

Num clima claustrofóbico, tendo como cenário uma grande casa isolada, numa colina que descortina o mar, num clima permanentemente frio e nublado, o enredo acompanha o cotidiano doentio de quatro ex-padres, todos com um passado que envolve pedofilia, ocultação de crimes dos militares na ditadura e até sequestro de crianças, num lugar supostamente dedicado à penitência e recuperação.

Eles têm a companhia de uma única mulher, a irmã Monica (Antonia Zegers, de “Post Mortem”), uma espécie de governanta e vigia, que cuida das tarefas domésticas e também é a que mais tem vida social no pequeno povoado próximo. Os demais pouco podem sair e conviver com outras pessoas, um isolamento que também é parte de seu ritual de expiação. Uma única atividade os apaixona: cuidar de um galgo, que participa de corridas, com um desempenho tão bom que permite que os ex-religiosos acumulem dinheiro com apostas, um lucro que certamente não faz parte de nenhum manual de boa conduta religiosa, mas é uma espécie de desvio tolerado nesta comunidade nas sombras.

A rotina é sacudida pela chegada de um novo integrante, o padre Lazcano (José Soza). Assim que este aparece, surge diante da casa um homem desvairado que grita dia e noite, Sandokan (Roberto Farías), acusador implacável do recém-chegado e criador de uma ameaça de escândalo e exposição pública da real identidade dos ocupantes da casa.

O dilema do forasteiro tem desenlace trágico e provoca a vinda de um emissário da Igreja, o padre Garcia (Marcelo Alonso), que tem poderes inclusive para desmontar este grupo – que é a coisa que todos mais temem, já que não têm mais lugar no mundo lá fora, como verdadeiros párias sociais.

Em sua passagem por Fortaleza, o ator Alejandro Goic destacou que estas comunidades secretas de ex-padres realmente existem e têm o objetivo principal de “ajudar estes padres a escapar da justiça”. Ele lembrou que um projeto da Igreja Católica, de comprar uma ilha no Caribe para abrigar estes ex-padres, somente foi abortado devido à imensa repercussão negativa da ideia.

O personagem de Goic, o padre Ortega, um homem envolvido no desvio de bebês, filhos de adolescentes que eram convencidas de que seus filhos haviam nascido mortos, quando na verdade eram encaminhados para adoção, baseia-se numa pessoa real, de nome Joignant. Mas destacou que a construção de Ortega no filme é uma “livre adaptação” do caso e que nunca foi feito um “estudo direto” desta pessoa, nem jamais houve uma intenção de retratá-lo especificamente.

Como em todas as suas obras anteriores, sobressai a disposição de Pablo Larraín de expor as ligações entre os desvios destes padres e o poder – alguns deles, sob a ditadura de Augusto Pinochet. Um dos ocupantes da casa é um capelão militar que sabia das mortes clandestinas do regime mas se calou diante dos crimes. É desta cumplicidade criminosa e de uma culpa nunca expiada que ele quer falar, com a habitual precisão cirúrgica, que aqui equivale à perícia de um médico legista empenhado no desvendamento de uma causa mortis. Mas sem frieza. Pelo contrário, “O Clube” reveste-se de uma contundência e intensidade que não deverá deixar indiferente nenhum de seus espectadores.

(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb