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ESTREIA-"Horas de Desespero" tem comediante Wilson como pai de família no meio de golpe de Estado

07/10/2015 17h45

SÃO PAULO (Reuters) - Seguindo a linha de “Busca Implacável” (2008, 2012 e 2014), tendo ao centro um pai que faz de tudo para salvar a sua família, “Horas de Desespero”, de John Erick Dowdle, se diferencia por apresentar pessoas que realmente parecem comuns no meio do fogo cruzado, o que cria uma identificação do público com aqueles que estão lutando para sobreviver.

Quase não há refresco na trajetória deles, gerando uma tensão tão grande – e rara, nos dias atuais –, que não dá para relaxar nem quando existe uma pausa na ação. Porém, mesmo tomada pela adrenalina, a plateia com certeza irá se questionar em algum momento sobre a falta de inspiração do roteiro e a prevalência da visão superior e restrita norte-americana.

Após apostar e fracassar em um projeto profissional próprio, o engenheiro Jack Dwyer (Owen Wilson) resolve aceitar uma vaga em uma multinacional e sai dos Estados Unidos com sua mulher Annie (Lake Bell) e suas filhas Lucy e Beeze (Sterling Jerins e Claire Geare) rumo a um país do sudoeste asiático.

No entanto, eles chegam ao local bem quando é deflagrado um golpe de Estado e as ruas são tomadas pelas Forças Armadas, tentando conter uma multidão de rebeldes antiocidentais. A população está revoltada justamente com as ações da empresa de distribuição de água da qual o norte-americano é contratado, tornando ele e sua família alvos a serem caçados pelos golpistas.

Além da trama simplista, o script, repetição da parceria de John Erick com o irmão Drew Dowdle, também sofre com uma construção genérica dos personagens. Ficando só nos protagonistas, Jack e Annie são apenas pais capazes de tudo para salvar suas filhas, mas o vácuo existente na relação conjugal ou no desenvolvimento de suas personalidades prejudica na empatia do público. Por outro lado, a escolha de atores com carreiras estabelecidas na comédia torna sua imagem vulnerável o suficiente para o espectador se preocupar com o destino deles.

Apesar de surpreendente, a presença de Owen Wilson em um filme de ação não é novidade: ele deu vida a um militar acidentado em terras inóspitas em “Atrás das Linhas Inimigas” (2001), por exemplo. Mas aqui a exigência física é menor e o ator consegue sustentar a figura do pai de família, assim como Lake Bell, que já iniciou uma carreira de roteirista e diretora independente com “A Voz de Uma Geração” (2013) e faz o melhor que pode em um papel sem muitos recursos a trabalhar.

Em contrapartida, Pierce “James Bond” Brosnan aparece como Hammond, a princípio, um turista inglês que rende uma piada referencial no meio da trama.

Diretor de filmes de terror de estilo “found footage”, a exemplo de “Quarentena” (2008) e “Assim na Terra Como no Inferno” (2014), Dowdle investe, junto com a fotografia de seu recorrente companheiro Léo Hinstin, na câmera na mão. E, em conjunto com a edição de Elliot Greenberg – “Quarteto Fantástico” (2015) –, faz uso contundente da câmera lenta, porém, de modo irregular.

Da ótima cena com John perdido no meio de um confronto desconhecido, iniciada no sino dos ventos e na valorização da marcha dos combatentes, vai ao esvaziamento da verossimilhança na sequência no topo do hotel, um momento que seria para roer as unhas, mas se torna risível para parte da plateia – a abertura do filme é unânime neste sentido, por sua estranheza.

Na sua primeira empreitada no gênero, o cineasta traz a violência gráfica de seus trabalhos anteriores para os confrontos da trama. Não é por menos que a censura é de 16 anos, especialmente, por causa das situações em que as crianças da história são expostas – sem um olhar conservador, a questão é que, neste caso, elas servem para a manipulação emocional e exploração gratuita. Das suas raízes no horror, os irmãos Dowdle parecem ter retirado igualmente os rebeldes, fazendo deles uma mistura de zumbis com criaturas sanguinárias, já que são representados de maneira unilateral.

Inspirados em experiências pessoais na região, a dupla não identifica em nenhum momento do longa qual país do sudeste asiático serve de cenário. Entretanto, há elementos, como a escrita e a fronteira com o Vietnã que ligam ao Camboja, cujo passado político é extremamente conturbado. Por outro lado, as filmagens foram realizadas na Tailândia, com todo o cuidado por causa da crise política por lá, que culminou no golpe militar ocorrido no início do deste ano; a gravação do fictício levante, por exemplo, foi adiada, em razão dos protestos e enfrentamentos que ocorreram na capital Bangkok, no mesmo dia. Na realidade, a supressão desta informação serve para mostrar uma situação que se repete em várias nações daquela parte do continente.

No entanto, se o filme assume a parcela de culpa do imperialismo norte-americano na desestabilização local, em compensação, coloca os nativos como selvagens desumanos. É claro que a crueldade das recentes ações de grupos radicais e terroristas como o Estado Islâmico e Boko Haram, principalmente no Oriente Médio e na África, justificaria até certo ponto uma abordagem nessa linha, mas, ao retratar uma revolta popular nestes moldes, recai mais na visão etnocentrista e talvez xenófoba de Hollywood.

Com um final que se assemelha a “O Impossível” (2012), de J.A. Bayona, por causa da clara diferença entre o destino dos protagonistas norte-americanos e da população local em ambos, nota-se que, no drama sobre o tsunami que atingiu o mesmo sudeste asiático em 2004, há um sentimento de culpa, de “quem vai olhar para eles agora?”, enquanto o longa de Dowdle prefere ignorar esse aspecto. Uma pena, pois a mesma história sob o ponto de vista destes cidadãos, que não vivem somente horas de desespero, seria um filme muito mais interessante.

(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb