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Mundo sem heróis e em guerra permanente é o cenário de "Sicario"

Neusa Barbosa

Do Cineweb, em São Paulo

21/10/2015 16h21

"Sicario: Terra de Ninguém", do canadense Denis Villeneuve, que estreia nesta quinta (22), crava uma nota ainda mais sombria em sua filmografia, marcada por dramas densos como "Incêndios" (2010), "Os Suspeitos" e "O Homem Duplicado" (ambos de 2013).

Extremamente bem realizado, com fotografia do veterano inglês Roger Deacon (parceiro dos irmãos Joel e Ethan Coen desde "Barton Fink - Delírios de Hollywood", vencedor da Palma de Ouro 1991), o filme aprofunda-se num clima impiedoso desde a primeira cena, partindo de um roteiro original de Taylor Sheridan, mais conhecido como ator de séries de TV, como "CSI" e "Filhos da Anarquia".

Diretor versátil, Villeneuve comanda com mão firme a ação. A narrativa é eletrizante, seguindo um mergulho no inferno da agente do FBI Kate Macer (Emily Blunt, numa guinada de carreira interessante). Oficial experiente, ela comanda uma investida contra uma casa pertencente a um cartel de drogas, num deserto perto do Phoenix, no Arizona, da qual resulta uma impressionante descoberta de horrores.

O sucesso da iniciativa provoca o convite para Kate integrar um time composto por agentes da CIA, como Matt (Josh Brolin) e Alejandro (Benicio del Toro), para uma operação de grande envergadura contra cartéis mexicanos na fronteira deste país com os EUA que tem seu centro nervoso em Ciudad Juárez, uma das cidades mais violentas do mundo.

A grande sacada do filme, no entanto, é não só colocar em primeiro plano uma visão do mundo como um palco de guerra permanente, um "tempo de lobos" (como define o personagem Alejandro), assim como trazer de volta um espírito do cinema independente norte-americano dos anos 1970. Vem à mente, por exemplo, "A Conversação" (74), de Francis Ford Coppola, numa outra chave, que leva a refletir sobre como o respeito a regras ou a qualquer protocolo legal está sendo pura e simplesmente abandonado em nome de um conceito autoritário de segurança. Ou seja, não há lugar para idealistas nem heróis, papeis a que Kate parece se credenciar.

O fato de ela ser a única mulher num grupo masculino é usado de maneira eficiente dentro da trama, a partir de situações de ironia, confronto e tensão. Antes que Villeneuve aderisse ao projeto, inclusive houve pressões de produtores para que o papel de Kate fosse reescrito para um homem, por temores de ordem comercial, ou preconceito machista puro. Felizmente, o diretor canadense não deu ouvidos a essa bobagem.

Até a figura fisicamente frágil e a beleza de Emily Blunt caem na justa medida de sua personagem, que é 100 por cento humana, nada super-heroína, mas forte o bastante para sobreviver nesta selva em que todas as aparências enganam e todos os valores parecem torcidos.

Os cenários são compostos com grande realismo e a música sinistra do islandês Jóhan Jóhannsson (parceiro de Villeneuve em "Os Suspeitos") gela o sangue toda vez que toca e é usada na justa medida, sem excessos.

Desde Cannes, em maio, onde "Sicario..." fez sua première mundial na competição principal, imagina-se que o filme caminha rumo a indicações de Oscar do ano que vem. Benicio del Toro, por exemplo, está assustadoramente impecável. Talvez desde o coronel Kurtz de Marlon Brando em "Apocalipse Now" (79) não se via um personagem tão ambíguo e assustador.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb