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21/02/2006 - 17h12
Tempo de Oscar: Embate entre israelenses e palestinos dita festa do cinema
AMIR LABAKI
Especial para o UOL

A mais importante disputa do Oscar deste ano opõe filmes que não concorrem na mesma categoria. "Munique", de Steven Spielberg, versus "Paradise Now", de Hany Abu-Assad. É esse o embate. O conflito essencial do mundo contemporâneo, entre israelenses e palestinos no Oriente Médio, dita o pulso da maior festa do cinema mundial.

"Munique" concorre a seis prêmios, incluindo o de melhor filme. Spielberg o definiu como "uma prece pela paz". Resumidamente, trata da formação de um comando de extermínio extra-oficial israelense em reação ao ataque terrorista palestino aos atletas de Israel na Olimpíada de Munique de 1972.

O thriller político se torna drama ético com a crescente angústia moral do líder do grupo (Eric Bana). O círculo vicioso da violência respondendo à violência rouba razão de ambos os lados, parece dizer Spielberg. Eis a raiz de seu chamado à paz.

Não que restem dúvidas. "Munique" é um filme primeiramente pró-Israel, ainda que, numa cena muito atacada, reconheça aos palestinos o direito de constituir seu próprio país -sem maiores detalhes de como, onde nem quando chegar lá. Mas basta notar a diferença de enfoque quanto às baixas civis de parte a parte para notar a inexistência no filme do que foi definido por um articulista judeu como um pretenso "pecado de equivalência".

Ainda menos ambígüo é "Paradise Now". O concorrente palestino ao Oscar para produções de língua não-inglesa dá corpo e alma a dois terroristas suicidas (Kais Nashef e Ali Suleiman) que se preparam para um ataque em plena área urbana em Israel. Abu-Assad humaniza o demônio: o radical islâmico que se transforma em bomba ambulante como protesto desesperado frente ao beco-sem-saída da ocupação militar por Israel de territórios palestinos.

Experiente documentarista, rodando em plena região conflagrada, em Nablus e Nazareth, Abu-Assad constrói o filme a partir do contraponto entre o cotidiano palestino de privações materiais e humilhações rotineiras, como os agressivos pontos de controle, e a urbanidade civilizada e próspera da vida israelense (Tel Aviv aparece ao fim como alvo do ataque). Sua mensagem é clara: "Os israelenses acreditam que eles são as vítimas, mas não são", afirmou o cineasta ao "Village Voice". E foi além: "Não sei como se pode manter um Estado judaico sem oprimir os palestinos".

Seu filme me parece mais conciliador que suas palavras. Thriller político e drama ético se combinam, com a angústia dos dois homens-bomba sendo regularmente reduzida por doses de oração. A voz da razão pertence a uma palestina cosmopolita (Lubna Azabal), interesse romântico de um dos
suicidas, que condena o terrorismo e defende estratégias pacíficas de
persuasão pró-Palestina.

"Paradise Now" de certa forma inverte a fórmula de "Munique". A "prece pela paz" se torna "a guerrilha como ato religioso". Ao menos uma equivalência se mantém: o comando israelense poupa a vida de uma criança palestina em Paris exatamente da mesma forma que o suicida palestino preserva a integridade de uma criança israelense num ônibus. Também os aproximando, Spielberg escalou a intérprete da mãe de um dos terroristas (Hiam Abbass) para o papel da mulher de um dos alvos do comando. Parece dar razão à formulação certeira de Caryn James no "The New York Times": "Os dois filmes juntos podem dizer mais sobre o ciclo de violência no Oriente Médio do que cada um deles separadamente".

Dada a polêmica política e a divisão da crítica, "Munique" talvez não
tivesse emplacado tantas indicações não fosse este o ano de "Paradise Now". Vencedor do Globo de Ouro, premiado em Berlim, o filme de Hany Abu-Assad é um dos favoritos de sua categoria e apenas sua indicação já motivou um intenso e didático debate.

Uma petição com 22 mil assinaturas foi enviada à Academia de Artes e Ciência Cinematográficas exigindo o cancelamento de sua indicação, pois pretensamente defenderia os ataques suicidas. Outro abaixo-assinado exige cuidado na forma de apresentação de sua nacionalidade, contra "Palestina" e a favor de "Territórios Palestinos" -uma discussão que, nela mesmo, já expande mundo afora "as estratégias pacíficas de persuasão" defendidas pela heroína do filme.

Uma solução de compromisso nada improvável é a derrota de ambos na noite da premiação. Em recente pesquisa do "Los Angeles Times", "Munique" aparece como o menos cotado para o Oscar de melhor filme. "Paradise Now", por sua vez, fica atrás na disputa de filme estrangeiro do drama social sul-africano "Tsotsi", comparado na imprensa americana a "Cidade de Deus".

Premiados ou não, fato é que o Oscar deste ano, ao destacar "Munique" e "Paradise Now" no mesmo universo, em muito transcende a mera autopromoção hollywoodiana. A Academia se aproxima, assim, do centro de discussões de uma das questões capitais destes tempos sombrios. Não é pouco.
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