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Ficha completa do filme

Documentário

Moscou (2009)

Márcio Ferrari

Márcio Ferrari

Colaboração para o UOL 28/01/2011
Nota: 5

Depois do impacto extraordinário de "Jogo de Cena", o diretor Eduardo Coutinho fez este documentário que causou certa perplexidade e grande polêmica entre críticos. É provável que nenhum filme brasileiro recente tenha destravado tanto palavrório, sobretudo na internet.

Isso porque "Jogo de Cena", com todo seu fascínio e mistério, ainda era um filme centrado na subjetividade e na possibilidade do real. "Moscou" parte para a radicalização e fala apenas, em seu projeto essencial, da representação. O que se mostra é o trabalho de um grupo teatral (o grupo Galpão) em torno da encenação de "As Três Irmãs", de Tchekhov. Não se trata, no entanto, de um documentário sobre uma montagem da peça, que nunca ocorreu, nem era para ocorrer. Tudo existe em função do filme. Coutinho propôs o texto ao Galpão e o grupo escolheu Enrique Diaz, com quem nunca tinha trabalhado, para dirigir a peça.

São duas encenações, uma de Diaz, outra de Coutinho, e nenhuma fala mais alto, embora, como não poderia deixar de ser, Coutinho fique com a palavra final, encerrando as "sessões" com a própria voz ao ler um trecho da peça.

O espectador vê vários modos de abordar um texto e uma história, mas nunca todo o texto nem toda a história. Em "Moscou", a incompletude é a maior riqueza. Nos ensaios, vemos cenas em que os atores se dirigem para a câmera e outras em que eles a ignoram. Há simples leituras, leituras com encenação parcial, encenações próximas de uma "forma possível", outras de uma "forma final". Vemos ainda as lembranças e histórias que supostamente são apenas dos atores, outras que não se sabe de quem são.

Sobrepõem-se camadas e camadas de ficção, ainda que uma ficção em diferentes graus de esvaziamento, esperando o espectador para dar continuidade. Nesse aspecto, os extras do DVD, que trazem os exercícios dos atores, as reuniões dos envolvidos e o comentário ao filme (por Coutinho, Diaz, o produtor João Moreira Salles e o ator Eduardo Moreira), acrescentam outras camadas importantes que tornam a coisa toda ainda mais complexa.

Em grande parte, é da possibilidade de ser o ator da própria vida que fala o filme. A principal indicação disso é a presença frequente do tema da morte, sobretudo na metade inicial do filme. Porque o assunto do filme não são as três irmãs da província, mas Moscou, um lugar de sonho, ideal, sem tempos perdidos, sem contingências, uma utopia essencial. Distante, esse lugar se traduz na encenação como um "não-lugar", uma insuficiência. Isso torna o filme um daqueles que podem ser vistos inúmeras vezes. Sempre se revelará outro, como são diversos os ouvintes de uma mesma história.

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