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"Quando me chamaram para voltar, não hesitei", diz Jeff Bridges sobre "Tron - O Legado"

Depois de quase 30 anos, o ator Jeff Bridges está de volta no universo computadorizado de "Tron: O Legado"  - Divulgação
Depois de quase 30 anos, o ator Jeff Bridges está de volta no universo computadorizado de "Tron: O Legado" Imagem: Divulgação

ROBERTO SADOVSKI

Colaboração para o UOL

15/12/2010 11h00

Quando chegou aos cinemas em 1982, “Tron – Uma Odisséia Eletrônica" já era um filme revolucionário. O uso de efeitos gerados em computador era inédito, e algumas de suas imagens e elementos – as motocicletas de luz, por exemplo – se tornaram icônicos. Pena que ninguém se interessou em ver. “Fomos atropelados”, lembra, com um sorriso, o diretor do “Tron” original, Steven Lisberger, agora produtor do novo “Tron – O Legado”. “’E.T. – O Extraterrestre’ havia estreado cerca de um mês antes. Ninguém no planeta estava interessado em ver nada além de E.T..”

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    Jeff Bridges dá vida a Flynn no filme ''Tron - Uma Odisseia Eletrônica'' (1982)

Desta vez, não existe nada como o alienígena de Steven Spielberg no caminho de "Tron – O Legado", que chega aos cinemas de todo o mundo nesta sexta-feira (17). A Disney, que bancou a produção, passou os últimos três anos construindo uma campanha de marketing gigantesca para que a marca Tron – além do filme, jogos de videogame, brinquedos, histórias em quadrinhos e mais um monte de traquitanas – passasse bem longe da palavra “fracasso”. Ainda assim, para entender o novo filme, dirigido pelo estreante Joseph Kosinski, é preciso voltar no tempo e revirar a memória da primeira aventura: "O Legado", apesar das quase três décadas que o separa da aventura de 1982, é sua continuação direta.
 
Que o diga Jeff Bridges, de volta na pele do visionário da fronteira digital Kevin Flynn. Em "Tron", ele fez o gênio que, na tentativa de encontrar provas que uma grande comporação o roubara, é transportado para dentro do mundo digital, habitado por programas e avatares com vida própria. Ele, um “usuário”, precisava voltar ao mundo real, ao mesmo tempo que ajudava os rebeldes a derrubar o Controle Mestre e libertar os programas de sua tirania. “A idéia de mostrar o que aconteceu com aquele mundo depois da partida de Flynn sempre me fascinou”, disse Bridges em 2009, quando O Legado deixou de ser uma idéia e entrou em produção. “Quando me chamaram para voltar ao papel de Flynn, não hesitei.”

Teste na Comic Con

O estopim para um novo "Tron" deixar de ser uma idéia aconteceu na Comic Con de San Diego em 2008, quando foi revelado um teaser com Bridges em papel duplo: ele surgia como Flynn, mais velho, dentro de um mundo digital renovado, e também como seu avatar digital, Clu, que avisava que aquilo não era mais só um jogo. “Filmamos o teaser para testar o interesse do público naquele mundo e atrair investidores”, revela Linsberger. “Jeff topou filmar por um dia e a reação dos fãs não poderia ter sido melhor.” Para dirigir a nova aventura, a Disney convocou Kosinski, arquiteto, fluente na linguagem tecnológica que domina o mundo e com dois trailers de videogames – Halo e Gears of War – no currículo. Faltava, claro, uma história para amarrar toda a idéia.

 
Foi quando Edward Kitsis e Adam Horowitz, roteiristas de "Lost", entraram em cena. Eles surgiram com a idéia de que Flynn trabalhava na Grade, o mundo digital que ele libertara com a ajuda do guerreiro Tron, para construir um universo que mudaria todo o conceito de realidade do lado de cá. Para ajudar em sua tarefa, Flynn criou uma cópia digital, Clu (interpretado por Bridges com uma tecnologia impressionante que o rejuvenesceu). Clu se rebelou e Flynn ficou preso dentro da Grade, refém de sua criação e à espera do momento para, mais uma vez, retomar o curso de sua vida.

Do lado de cá, seu filho, Sam, herdeiro do império tecnológico do pai e nem um pouco interessado em tocar a empresa, ainda remói o sentimento de abandono, já que o sumiço de Flynn é um mistério sem resposta. Elas começam a surgir quando Alan Bradleu (Bruxe Boxleitner, outro veterano da aventura original) lhe conta que recebeu um bipe do escritório de Flynn em seu velho fliperama, fechado há duas décadas. Sam é transportado para a Grade e "Tron – O Legado" engata uma segunda em um 3D estonteando, emoldurado por uma direção de arte sexy e surpreendente.

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    Garrett Hedlund é Sam Flynn em ''Tron - O Legado''

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    ''Tron - O Legado'', filme da Disney, usa o 3D para recriar mundo virtual

 
“A idéia era ver como a Grade evoluiu em duas décadas”, explica Kosinski, já com o filme em pós-produção, durante a Comic Con no final de julho passado. “Steven (Lisberger) criou um mundo que profetizou muitas das inovações tecnológicas que experimentamos depois de Tron. Avatares digitais, comunidades em um mundo binário. Nossa idéia com 'O Legado' era mostrar o quer acontece quando esse mundo evolui sem ter a capacidade de inovar. Sem ter a mão de um criador.” É o que acontece quando a Grade é dominada por Clu. Criado como um avatar de Flynn, ele ainda é um programa, capaz de modificar o que já existe em suas mãos, mas nunca de desenvolver novas idéias. “Isso é frustrante para ele, saber que jamais sairá da ‘sombra’ de seu pai, de seu criador, é a mola que empurra nossa narrativa”, completa.

Por outro lado, a chegada de Sam Flynn (Garreth Hedlund) à Grade muda o jogo. “Eu lembro de Tron em sessões com os amigos quando eu are bem novo, vi em VHS”, confessa o ator a um grupo de jornalistas depois de uma apresentação em 3D de O Legado na Comic Con passada. “Nunca imaginei que pudesse voltar àquele mundo, ainda mais como parte de uma continuação.” Kosinski, por outro lado, parece ter nascido para integrar-se ao mundo de Tron. Partiu dele a idéia de convocar o duo Daft Punk para compor a trilha sonora do filme. E foi com naturalidade que ele rodou o filme usando tecnologia 3D – como 'Avatar', de James Cameron, o efeito não é intrusivo, e sim, imersivo, transportando a platéia para a Grade sem que a tecnologia incomode. No Imax o efeito é ainda mais grandioso.
 

Investimento em "Tron"

A aposta da Disney em "Tron – O Legado", e as centenas de milhões gastos em produção e marketing, podem parecer uma jogada ousada por parte do estúdio do Mickey. Não é. Na verdade, o filme faz parte de uma estratégia que ficou evidente com a compra da Marvel: são produtos voltados para meninos, uma deficiência de uma empresa mais famosa por bichinhos fofinhos e princesas cheias de glamour. "O Legado" coloca o logo do estúdio em um produto bonito, antenado com toda uma revolução digital que parece ter iniciado no cinemão com Matrix, em 1999, e o deixa numa posição de vanguarda, em sintonia com a molecada que nasceu navegando na internet e que prefere um iPad de Natal do que uma viagem para a Disneylândia. A partir de 2012, por sinal, os filmes da Marvel, começando por "Os Vingadores", já saem sob a bandeira da Disney.

É uma estratégia simples, baseada na equação marketing + reconhecimento de marca = milhões em caixa. É, também, o modo como toda a indústria do cinema em particular – e de entretenimento em geral – guia seus passos. O que não significa que, no âmago da coisa, não exista a vontade sincera de contar boas histórias da maneira mais atraente possível, o que "Tron – O Legado", uma aventura correta, belíssima, impressionante e sem muito estofo, consegue. Ao contrário do que aconteceu em 1982, porém, o mundo está prestando atenção. Quer queira ou não.