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Diretores de "Remições do Rio Negro", exibido em Tiradentes, usaram inexperiência a favor do filme

Cena do documentário ""Remições do Rio Negro"" - Divulgação
Cena do documentário ''Remições do Rio Negro'' Imagem: Divulgação

SÉRGIO ALPENDRE

Colaboração para o UOL, de Tiradentes (MG)

26/01/2011 12h54

Um momento de "Remições do Rio Negro", exibido na Mostra de Tiradentes, traduz com perfeição seu mecanismo interno, que conjuga a intervenção direta com a possibilidade de sofrer influência das circunstâncias e das pessoas entrevistadas. Há um encontro armado pelos diretores do filme, Erlan Souza e Fernanda Bizarria, entre o Padre Casimiro, lituano que participou de missões no norte do Rio Negro nas décadas de 1950 e 1960 e um de seus alunos, que ansiava pelo reencontro com o mestre. Ambos estavam separados há mais de 40 anos, e o Padre Casimiro reside agora em Manaus. O aluno pede uns livros emprestados. Casimiro sai de cena para buscá-los, mas antes fala para a equipe ficar com o mais novo que ele já voltava. A equipe fica, mas o aluno demonstra um certo constrangimento, antes de voltar a falar. É muito rápido, mas o suficiente para ser percebido.

Difícil imaginar documentário recente que deixe toda essa situação se desenrolar por inteiro na montagem final, o que dá uma boa noção de quão estranhos são alguns procedimentos adotados pelos diretores.

Além disso, a maneira de usar imagens de arquivo cria um efeito de estranheza ainda maior, pois elas mais ou menos explicam o que foram as missões por dois ângulos, o humanista e o oportunista. Esse choque entre duas verdades possíveis causa faíscas que impulsionam o filme.

Alguns problemas, porém, atrapalham. Demora muito para o filme engrenar. Aqueles depoimentos iniciais, difíceis de serem compreendidos devido ao sotaque do lituano, e à incapacidade de ler todas as legendas em inglês, por causa das cabeças que ficam na frente (o Cine Tenda tem uma inclinação insuficiente, o que atrapalha a visão quando a sala está cheia, ou seja, quase sempre) fazem com que "Remições do Rio Negro" seja cansativo, exigindo um tanto a mais do espectador.

Há também um desleixo estético que incomoda. Na cena citada acima, por exemplo, na hora em que o ex-aluno fica sozinho, o operador da câmera, talvez por sentir que ele estava sem graça, dá um zoom desajeitado em seu rosto, como se estivesse descobrindo os recursos de sua câmera. Seria engraçado, se não atrapalhasse um pouco nossa relação com a obra.
 
É o tipo de filme com sérias deficiências cinematográficas, mas que se sustenta em parte graças a elas, principalmente as que dizem respeito às amarras da narrativa. É como se o desleixo possibilitasse esse jogo entre a intervenção e a influência sofrida correr mais naturalmente, percorrendo as engrenagens e corroendo as imagens. Ou seja, foram sábios o suficiente para usar a inexperiência a favor do filme. E se isso não permite um salto muito grande, pelo menos o resultado é digno.