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"Precisamos de moralidade", diz Jeremy Irons sobre a situação de crise exposta em "Margin Call"

Jeremy Irons, Kevin Spacey, Paul Bettany e o produtor Neal Dodson participam do Festival de Berlim com ""Margin Call"" (11/02/2011) - Getty Images
Jeremy Irons, Kevin Spacey, Paul Bettany e o produtor Neal Dodson participam do Festival de Berlim com ''Margin Call'' (11/02/2011) Imagem: Getty Images

ALESSANDRO GIANNINI

Enviado especial a Berlim

11/02/2011 13h48

Há dois anos, a Berlinale abriu a edição de 59o. aniversário com "Trama Internacional", de Tom Twiker, um thriller hitchcockiano ambientado na Europa e que tinha como pano de fundo o intrincado sistema bancário mundial. A análise mais comum na época foi de que se tratava de uma antevisão da crise que começara no fim de 2008, nos Estados Unidos, e atingiria o mundo inteiro como uma tsunami avassaladora.

No segundo dia da 61a. edição da Berlinale, "Margin Call", primeiro concorrente ao Urso de Ouro a ser exibido na mostra competitiva deste ano, tem como centro exatamente esse momento trágico da primeira década do século 21. Escrito e dirigido pelo estreante J.C. Chandor, o filme foi lançado mundialmente no Festival de Sundance, em janeiro, embora tenha saído de Park City sem nenhum prêmio na mão. As chances de conquistar algo em Berlim são bem maiores, a julgar pela recepção dada ao filme, ao diretor e aos atores Kevin Spacey, Zachary Quinto, Jeremy Irons e Paul Bettany.

"Margin Call" se passa em uma corretora de valores em Wall Street, nas 24 horas que antecedem o início da crise financeira. Kevin Spacey interpreta Sam, um dos principais diretores da firma e ponto de vista privilegiado do filme. Ele patrocina a demissão de uma parte dos funcionários mais graduados, mas está choroso por causa de sua cadela, Ella, com câncer no fígado. "Estou gastando mil dólares por dia para tentar curá-la", diz ele para justificar o quanto ama o bicho.
 

"Eu sou dono de um cachorro e sei o quanto isso pode ser doloroso", disse Spacey, quase em tom de brincadeira, sobre o personagem e os sentimentos dele pelo bicho moribundo. "No filme, é uma metáfora sobre o que está acontecendo com a empresa. Na verdade, é um aspecto que humaniza o personagem. Tivemos a chance de encontrar pessoas que trabalham no mercado financeiro para sabermos quem são e como vivem. É gente normal, como nós. Houve uma época em que se demonizava essas pessoas, mas elas apenas estão lá seguindo ordens como todo mundo. É muito fácil colocar todo mundo no mesmo saco."

Não há, no entanto, nenhum sinal de remorso ou culpa de Sam pelo que foi feito com os funcionários demitidos, entre os quais está Eric Dale (Stanley Tucci), técnico competente - mas descartável - que descobre uma bomba relógio na contabilidade da firma.  Dale desaparece e deixa a dica para um de seus jovens subordinados, Will (Zachary Quinto), de que algo precisa ser feito. Motivado pelo discurso padrão de "quem fica tem a chance e deve abraçá-la, o rapaz descobre a razão de tanta preocupação: a empresa vendeu descontroladamente um novo produto sem lastro algum para conter qualquer problema. E agora terá de enfrentar as conseqUencias, já que os problemas estavam acontecendo há tempos.

Jeremy Irons faz uma participação especial como John Tuld, o chefão da corretora e responsável pela estratégia que irá salvar a empresa e, ao mesmo tempo, explodir a bomba que se converterá em crise. "Para mim, é uma situação completamente imoral", disse ele, antes de ser brevemente aplaudido. "Estamos vivendo em um mundo corrupto e precisamos de mais moralidade. Temos que levar em conta que as pessoas têm casas e investem seu dinheiro para poder melhorar de vida. Vivemos em um mundo de recursos limitados e temos que achar um jeito melhor de repartir o que resta de maneira sustentável."

Para o diretor Chandor, o filme pode ser lido de várias formas. "Do meu ponto de vista, estamos falando de ganância excessiva", disse ele. "E não é apenas de uma parte da população americana. Quase todos nós fomos gananciosos. Quando uma cultura vive assim, existe o risco de uma falha sistêmica. Certamente, essas pessoas de quem falo no filme não são as únicas culpadas. Mas é preciso uma mudança muito maior."