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"Todos nós sentimos um certo fascínio pelo tema", diz Anthony Hopkins sobre "O Ritual"

Anthony Hopkins interpreta um padre exorcista em "O Ritual" - Divulgação
Anthony Hopkins interpreta um padre exorcista em "O Ritual" Imagem: Divulgação

EDUARDO GRAÇA

Colaboração para o UOL, de Los Angeles

13/02/2011 07h02

"O Ritual" é, para o bem e para o mal, um filme de seu tempo. Baseado em uma história real, o filme é resultado tanto do atual momento político da Igreja Católica - mais voltada para aspectos espirituais, alguns com tiques medievais como a capacidade de retirar o demônio da alma alheia, do que para questões sociais - quanto da necessidade dos estúdios de Hollywood em abocanhar um quinhão mais gordo do mercado hispânico nas bilheterias americanas.

Pesquisas mostram que este público, que gosta de ver atores de origem latino-americana na tela, como Alice Braga, a principal coadjuvante de "O Ritual", é atraído por temas religiosos de forma mais avassaladora do que os caucasianos. É também, a parcela da população que vai com mais freqüência ao cinema nos EUA.

Dirigido pelo sueco Mikael Hafström, "O Ritual", que tem o auxílio luxuoso do grande Rutger Hauer, conta a história do seminarista Michael, vivido pelo estreante Colin O’Donoghue, indeciso sobre sua vocação. O belo ator de olhos azuis vai parar em Roma, aos cuidados do Padre Lucas de Hopkins, um especialista em exorcismo, prática que volta aos cursos do Vaticano em sua guinada conservadora. Lá ele conhece a Angeline de Alice Braga, uma jornalista presente às aulas do Vaticano.

O resultado da estranha alquimia de "O Ritual" foi o primeiro lugar na semana de estréia e uma bilheteria acumulada de 25 milhões de dólares para um filme de baixo orçamento, estimado em 37 milhões, com boa perspectiva no mercado internacional.

Destruído pela crítica ianque – no Wall Street Journal, Joe Morgenstern escreveu que trata-se de um caso de "produtores possuídos pela crença de que o mundo precisa de mais um filme sobre exorcismo" - "O Ritual" é o primeiro veículo de Anthony Hopkins em 2011.

O decano galês, vencedor do Oscar por "O Silêncio dos Inocentes" e indicado outras três vezes - todas nos anos 90 - conversou com o UOL Cinema sobre voltar a fazer um papel em um filme tão assustador quanto o de seu clássico Hannibal Lecter. Um veterano exorcista em Roma, Padre Lucas treina Michael no ofício do exorcismo, um trabalho que o aproxima de forças poderosas.

Na conversa com o UOL Cinema, Hopkins falou sobre seus demônios, sua transformação de ateu renitente a crente modesto e de sua paixão pelo trabalho.

UOL Cinema: O senhor crê no diabo?
Anthony Hopkins: Huum...tudo o que sei é que pouco sei. Gostei do roteiro e li muito para construir o personagem.

UOL Cinema: Livros que tratam do tema do exorcismo?
Anthony Hopkins: Não. "A Origem das Espécies", de Darwin, muito C.S.Lewis, algum Graham Greene, e outros clássicos, com o puro objetivo de ocupar minha mente e me fazer parecer inteligente, tanto filmando quando conversando com você. C.S. Lewis, por exemplo, disse uma vez que você está em risco quando passa a não acreditar no mal. Não posso dizer que acredito na versão antropomórfica do demônio, mas, de novo, só digo que pouco sei. As pessoas se confundem e acham que podem sair por aí falando com profundidade de tópicos profundos apenas porque fizeram um filme relacionado ao tal tema...

UOL Cinema: O senhor não...
Anthony Hopkins: É que eles parecem que estão dando conselho para a Casa Branca, como governar o mundo. Quem disse que você pode falar sobre isso, meu filho? Einstein disse que não acreditava em Deus, mas certamente na maravilha matemática, na inteligência que criou o Cosmos. Eu fui ateu em um momento da minha vida...

UOL Cinema: Mas não é mais?
Anthony Hopkins: Hoje acredito que há algo muito maior do que eu guiando minha vida. Que minha vida não é gerida apenas por mim mesmo. Qual o sentido de estarmos aqui, agora? A questão eterna, que ninguém responde. Fui criado por um ateu, meu pai era socialista.

UOL Cinema: E o que aconteceu para você mudar tanto?
Anthony Hopkins: Não quero entrar em detalhes da minha vida pessoal, mas entrei em uma crise e um belo dia, um belo momento, voltei-me para algo muito maior do que eu, do que meu ego, do que minhas certezas, que minhas tendências auto-destrutivas. Veja bem, todos nós flertamos com o caos, com coisas terríveis como o alcoolismo. Adoramos uma história de fantasmas, não é? Mas ali ou nos jogamos no inferno ou construímos uma ponte para algo melhor. Foi o que fiz. Vi por cima do abismo e parei. Mudei meu estilo de vida, confrontei a realidade e me senti livre. Tremendamente livre. Lembro que um momento crucial foi quando meu pai estava muito mal, no hospital, nossa lá se vão 30 anos...

UOL Cinema: E o que aconteceu?
Anthony Hopkins: Ele estava já bem fraco, sentado em uma cadeira, sofrendo muito, com dores, e me disse, sério: “Não sei por que meu bom Deus decidiu que eu teria de passar por isso”. Pensei, imediatamente, que aquilo era algo importante. Ele foi ateu a vida toda. De madrugada ele morreu e pensei que eu também não tinha mais tantas certezas assim sobre minha vida.

UOL Cinema: Quando o senhor fala em flertar com o mal, é assim que vê suas interpretações de personagens como o Hannibal e agora um sacerdote exorcista? Libertando os sentimentos negativos que tem dentro do senhor?
Anthony Hopkins: Não. Não trabalho deste modo. De modo algum. Só se eles me pagassem e muito bem para isso (risos). Não, sério, não brinco com estas coisas. É um filme, um jogo, é absurdo, nada para se levar tão à sério assim. Quando digo que todos flertamos com o mal é porque todos nós sentimos um certo fascínio pelo tema. Apenas isso.

UOL Cinema: Mas o senhor diria que este tipo de personagem o atrai?
Anthony Hopkins: Mas é justamente o contrário! (risos). Eles é que se atraem por mim. E se são bem escritos, eu os faço. Mas jamais os tratando como heróis. Hannibal não é um herói. O padre em "O Ritual" começa a ser dominado por algo estranho quando começa a se mostrar vaidoso na frente do noviço que chega em Roma em busca de respostas. Talvez ele tenha sido pego pela vaidade.

UOL Cinema: Quando pensamos em exorcismo, e em clássicos do cinema sobre o tema, como "O Exorcista", a reação natural é falar em cinema de horror, em ficção. Mas aqui o tratamento é mais realista, não?
Anthony Hopkins: Quando li o roteiro pela primeira vez, pensei: não quero fazer mais um personagem assustador. Mas vi que não era isso, que era baseado em uma história real, conversei com alguns dos padres exorcistas, vi como era o trabalho deles, vi que eles também tinham dúvidas, perguntei se eu poderia adicionar isso, a dúvida de quem tem fé. Então, meu personagem diz que todos os dias ele perde a fé, e volta a encontrá-la. Os padres que eu conheci não tinham certeza absoluta. Quando você tem certeza absoluta, vira um Torquemada, começa uma Inquisição, não é este o caso aqui.

UOL Cinema: O senhor, honestamente, não precisava mais fazer filmes, não é? Porque ainda continua tão ativo em Hollywood aos 73 anos?
Anthony Hopkins: Porque eu seria um tolo de recusar as ofertas que recebo. E porque o trabalho me mantém afastado das ruas e dos bares. Ainda sou forte e saudável, se não trabalhasse, enlouqueceria.