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Pautada pelo consenso, Academia não consegue fugir da previsibilidade

ANA MARIA BAHIANA

Especial para o UOL, de Los Angeles

28/02/2011 11h04

Numa noite que começou atrasada e terminou tarde, os Oscars de 2011 (relativos ao ano de 2010) foram os mais previsíveis dos últimos tempos.

TRAILER DO FILME "O DISCURSO DO REI"

Com exceção, talvez, do prêmio de fotografia indo para Wally Pfister por "A Origem" (em vez do favorito, o veterano Roger Deakins de "Bravura Indômita"), os prêmios foram para todos os que pareciam ter sido eleitos pelo gosto médio da indústria dois meses atrás: "O Discurso do Rei" com as quatro estatuetas nobres (filme, diretor, roteiro, ator para Colin Firth); "Toy Story 3" como longa de animação; Natalie Portman como atriz por "Cisne Negro", "O Vencedor" e "A Rede Social" com prêmios de consolação : os coadjuvantes Christian Bale e, apesar da campanha canhestra, Melissa Leo para "O Vencedor", trilha, montagem e roteiro adaptado para o filme sobre o Facebook.

Muita gente, inclusive pessoas da própria Academia, andou lamentando a proliferação de palpites e análises na mídia, que, segundo seu ponto de vista, estariam “tirando o suspense” da festa. Mas na verdade é a própria Academia que está ficando cada vez mais previsível.

Ninguém sabe disso melhor que Harvey Weinstein, o produtor que dominou os Oscars nos anos 1990 e que, depois de um longo e complicado ostracismo, voltou a dar as cartas este ano com "O Discurso do Rei". Há 20 anos Weisntein sabe o que a Academia quer: um filme bem feito, com design cuidadoso, de preferência de época e com atores britânicos, com temas que não incomodam ninguém, tem alta voltagem sentimental e uma dose de humor e oferecem um final edificante.

Some-se estes elementos a uma campanha infatigável, com muito corpo a corpo , contatos pessoais e amigáveis, e você tem uma noite do Oscar no bolso. Não falhou nos anos 90 e, mesmo depois de perder a Miramax, afundar-se em dificuldades financeiras e ficar na geladeira, Weinstein prova que não falha agora.

A Academia é previsível porque joga sempre pelo meio, laureando muito mais facilmente o óbvio que o realmente inovador.

"A Rede Social" é um filme de peso, pensado em todos os seus aspectos, levando a questão do poder e do controle para uma nova paisagem humana, a dos “cidadãos kane” da internet.

"A Origem" (que teve os mesmos quatro Oscars de "Discurso", mas todos técnicos) discutia essencialmente a propria natureza do cinema, seu papel de manipulador do inconsciente, explorando a própria linguagem do filme como narrativa. Isso é muito para merecer o consenso dos 6 mil votantes - e o sistema de votos do Oscar privilegia o consenso.

TRAILER DO FILME "A ORIGEM"

A pedidos de pessoas que me seguiram no Twitter, demoro-me um pouco sobre a questão Christopher Nolan, porque ela é exemplar do paradoxo do Oscar e da Academia.

A Academia - composta inteiramente por profissionais de cinema, é bom lembrar - parece ver os realizadores como pertencentes a dois grandes grupos: os que fazem filmes que dão muito dinheiro, filmões populares que em geral estreiam no meio do ano; e os sérios, que fazem filmes de época, com design cuidadoso, atores britânicos, temas ousados e/ou comoventes, etc.

A hipótese de existir alguém que faça ao mesmo tempo filmes populares que dão muito dinheiro e filmes sérios com temas ousados - ou, pior ainda, que o filme sério com tema ousado seja o mesmo filme popular que dá dinheiro - é algo que ela não consegue processar.

Steven Spielberg penou nessa categoria durante muitos anos - até fazer um filme sobre o Holocausto com dois atores britânicos, "A Lista de Schindler". Nesta categoria estão, hoje, Darren Aronofsky, David Fincher… e Christopher Nolan.

Nos dias que antecederam o Oscar, falou-se muito na indústria sobre como tornar o prêmio mais competitivo com relação a seus muitos rivais, reafirmando sua soberania como o “padrão de ouro” e conquistando novas plateias. De todos as sugestões que li, uma ficou na minha cabeça: transformar todos os acadêmicos aposentados, que há mais de 10 anos não participam ativamente da industria, em não-votantes.

Ironicamente, a pequena e tão apedrejada Associação de Correspondentes estrangeiros de Hollywood (Hollywood Foreign Press Association) já faz isso há muito tempo: para votar nos Globos de Ouro tem-se que ser “ativo”, estar efetivamente cobrindo a indústria.

A mesma lógica faria bem ao Oscar, dando voz mais eloquente a quem está realmente engajado no presente, que compreende os temas, tendencias e questões do nosso tempo.