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"O Sequestro de um Herói" desmonta fórmulas policiais de Hollywood

NEUSA BARBOSA

Do Cineweb

17/03/2011 11h41

O ator e diretor belga Lucas Belvaux é um especialista em captar temas contemporâneos e expor, se não seu avesso, algumas de suas facetas pouco exploradas - o que torna muito instigantes seus filmes, como a trilogia "Em Fuga", "Um Casal Admirável" e "Acordo Quebrado" (os três de 2002), alguns dos seus poucos trabalhos exibidos em circuito comercial no Brasil.

De certa forma, há uma proximidade entre ele e o cineasta francês Robert Guédiguian ("A Cidade Está Tranqüila"), em termos temáticos e de atitude diante da atualidade e de suas questões mais espinhosas - como o terrorismo, a criminalidade, a droga, as paixões, todos assuntos que permearam a trilogia de Belvaux e que comparecem mais uma vez neste seu novo "O Sequestro de um Herói", uma coprodução franco-belga. O filme estreia sexta em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Ribeirão Preto.

Não deve enganar ninguém este estranho título brasileiro, para um original em francês que se limitava a um seco e direto "Rapt", ou seja, rapto, sequestro. É bom abandonar logo qualquer ideia preconcebida - aqui, herói não há nenhum. Muito menos o protagonista, o bilionário Stanislas Graff (Yvan Attal, de "Munique" e marido da atriz Charlotte Gainsbourg).

Prepotente, egocêntrico, manipulador, fútil, viciado em jogo e mulheres, emocionalmente gelado, Graff é tudo isso e muito mais, no momento em que o filme começa. Logo é sequestrado por um grupo de bandidos altamente treinados e não menos frios do que ele, como se deduz de sua assustadora decisão sobre como convencer a família e os associados de Graff de que ele realmente está em seu poder.

TRAILER DO FILME ''O SEQUESTRO DE UM HEROI''

Habilmente, o roteiro, do próprio Belvaux, testa os sentimentos do espectador diante da situação deste virtual vilão que, por sua condição de vítima, pode despertar piedade ou simpatia. Estes captores, sempre mascarados, são tão implacáveis quanto Graff costuma ser em seus negócios, até em sua vida familiar - que não é nenhum mar de rosas, já que o bilionário frequentemente dorme numa sala à parte, longe de sua mulher, Françoise (Anne Consigny, de "Um Conto de Natal"), acompanhado apenas de seu cachorro, a criatura a quem ele parece dedicar maior carinho, até do mais do que a suas filhas (Sarah Messens e Julie Kaye).

Ao acompanhar, em paralelo, o sufocante cativeiro de Graff, a atmosfera formal de sua empresa - a quem os sequestradores pedem nada menos do que 50 milhões de euros como resgate - e o clima tenso de sua mansão, onde a mulher, as filhas e a mãe de Graff, Marjorie (Françoise Fabian), igualmente desfiam mágoas e afundam no desespero da situação, Belvaux fecha o microcosmo da modernidade em que ele explora suas ideias.

É fascinante seguir o desdobramento da situação central, cujos rumos oscilam o tempo todo e não na direção da fórmula habitual dos policiais norte-americanos. Num determinado momento, a vítima é exposta pela imprensa, que traz à tona inúmeros de seus vícios secretos. Assim, Graff tem sua imagem pública severamente arranhada, embora continue refém.

Se "O Sequestro de um Herói" incorpora também componentes de um thriller, ele se encaminha bem mais para uma exploração a fundo da ética de toda uma sociedade, ainda que de sua parte legalmente estabelecida e das instituições publicamente respeitadas.

O desenvolvimento do filme e sua conclusão igualmente não apelam nem ao óbvio nem ao bom-mocismo, mas apontam caminhos eventualmente paradoxais e inquietantes. Belvaux, mais uma vez, estimula a inteligência do espectador.