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"Não vamos deixar o Belas Artes morrer", bradam cinéfilos na última noite do cinema

Movimentação na noite desta quinta-feira, a última de funcionamento do Cine Belas Artes (17/03/2011) - Zanone Fraissat/Folhapress
Movimentação na noite desta quinta-feira, a última de funcionamento do Cine Belas Artes (17/03/2011) Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

ALYSSON OLIVEIRA

Do Cineweb

18/03/2011 07h00

Um pedacinho da história da cidade de São Paulo se apagou na noite dessa quinta-feira (17). Mas, se depender de uma centena de cidadãos empenhados, o cinema Belas Artes voltará a funcionar em breve. O saguão do local esteve abarrotado, enquanto as salas exibiam sua derradeira programação, que incluía clássicos como os italianos "O Leopardo" e "Queimada", e o francês "O Joelho de Clare".

Câmeras amadoras e profissionais de vários canais de televisão se acotovelavam por espaço, e a fila da bilheteria chegava à rua. Não importava o filme - todo mundo queria assistir às últimas sessões de cinema. Canais de televisão entrevistavam freqüentadores e funcionários. Um senhor contava empolgado, para quem quisesse ouvir, que quando jovem, seu grupo de estudantes de medicina se reunia ali mesmo, no Belas Artes, todas as sextas-feiras.

Já uma garota tirava uma foto beijando o pôster o filme “Ricky”, que traz o rosto de um bebê gorducho. O longa deverá ser lançado apenas em abril, e não vai entrar em cartaz em nenhuma das salas do cinema, que receberam nomes de artistas - como Candido Portinari e Carmem Miranda. Outra garota perguntava ao namorado: "Que filme é esse que vamos ver, 'O Águia'?". "Não sei, só sei que deve ser velho. É com o Rodolpho Valentino", foi a resposta.

Pessoas compartilhavam histórias. A jornalista Cristina Negulesco conta que seus pais, quando noivos, assistiram a uma reprise de "Cidadão Kane" no cinema. "Minha mãe pegou no sono, e encostou a cabeça no ombro de um rapaz que estava ao lado dela. Só acordou no final. Meu pai ri disso até hoje". Ela mesma frequentou o cinema diversas vezes desde sua adolescência. Conta que viu "Medos Privados em Lugares Públicos" três vezes no Belas Artes - o filme ficou em cartaz no cinema desde meados de 2007 até ontem, último dia.

Apesar de comprar ingresso, poucas pessoas realmente entravam nas salas. A maioria ficou no saguão protestando. Faixas e cartazes pediam que o Belas Artes não fosse fechado. "Não queremos que esse espaço vire uma loja. Queremos que seja tombado e voltemos a ter o nosso cinema aqui. Não queremos o Belas Artes em outro lugar. Esse é o endereço!", disse uma manifestante que recebeu aplausos calorosos.

Um jovem prometia passar a noite no cinema. "Não vou sair daqui. Quando acabar a última sessão, vamos todos ficar aqui dentro. Não vamos deixar que esse cinema seja tirado de nós", dizia em quanto empunhava um cartaz pedindo a manutenção do Belas Artes.

Num canto, galhos pintados de branco e cheio de papeis era uma espécie de árvore em que as pessoas agradeciam ao Belas Artes. "Eu nunca estive aí, eu nunca te conheci, mas torço para que você sobreviva", dizia um assinado por uma garota do Rio Grande do Sul.

Apesar da morte anunciada, o clima não era de conformismo. Nessa novela de dois meses, desde quando o proprietário do cinema anunciou publicamente que o dono do prédio havia o pedido de volta, os cinéfilos se manifestaram, fizeram camisetas, bottons e abaixo-assinados. Nada dobrou a decisão do proprietário. O prédio está em processo de tombamento, e deve ficar fechado - esperando o seu novo destino - até o mês de abril.

O grupo que se reuniu nessa noite de quinta no Belas Artes protestou, cantou, chorou e prometeu mover o mundo para que o cinema seja reaberto em seu endereço, quase na esquina da Consolação com a Paulista. "O dono do prédio acha que agora que fechou todo mundo vai esquecer, e ele poderá abrir uma loja. Mas nós não vamos deixar o Belas Artes morrer. Vamos fazer barulho, muito barulho", bradava um manifestante munido de faixa e apito no saguão do cinema. Se depender da força das pessoas que estavam reunidas ali, o Belas Artes deverá acender suas luzes novamente - talvez até a tempo de exibir "Ricky".