Topo

"Ator Moritz Bleibtreu colocou um ponto final em '360' como se me desse um presente", diz Fernando Meirelles

Fernando Meirelles filma ""360" em dia frio em Minneapolis, nos EUA - Divulgação
Fernando Meirelles filma ''360" em dia frio em Minneapolis, nos EUA Imagem: Divulgação

FERNANDO MEIRELLES

Especial para o UOL

29/03/2011 07h00Atualizada em 07/09/2011 15h54

Dirigir este filme não será muito diferente de dirigir um táxi,  já  percebi. A cada dia embarca  um novo passageiro com um destino diferente.

Segunda-feira foi a vez do ator alemão Moritz Bleibtreu entrar no barco. Fui encontrá-lo em seu hotel depois do nosso primeiro dia de filmagem. Conexão instantânea. Em 10 segundos estávamos falando do seu personagem e sobre atuação.  Tenho enorme interesse em saber qual estrada cada ator pega para entregar sua encomenda. Gosto do assunto não só para saber como tocá-los, mas também pelo prazer de observar quão maleável e flexível pode ser a mente humana.

BASTIDORES DE "360"

Em entrevista concedida em fevereiro deste ano, Fernando Meirelles mencionou a importância dos atores para um trabalho como "360", seu novo filme. "É um filme para atores e eu adoro vê-los e fazê-los trabalhar”, disse na ocasião.

Pouco tempo depois, Meirelles reforça seu interesse por interpretação em texto escrito em Londres, durante as filmagens de"360", publicado com exclusividade por UOL Cinema. Nele, o diretor comenta como foi trabalhar com o alemão Moritz Bleibtreu, ator de filmes como"Corra, Lola, Corra"(1998) e "Munique"(2005). Ao descrever a forma de atuar de Bleibtreu, Meirelles destaca as sutilezas com as quais um diretor se depara durante filmagens, sobretudo quando se tem um elenco internacional

"360"mistura atores ingleses (Rachel Weisz e Jude Law), brasileiros (Maria Flor e Juliano Cazarré), além de um galês (Anthony Hopkins), um francês (Jamel Debouzze) e, claro, o alemão. A produção foi filmada nos EUA e em Londres, na Inglaterra, e está prevista para 2012.

Caminhos absolutamente opostos podem levar a um mesmo lugar. Apesar de ter um passado selvagem, Moritz é alemão e tem método, mas não o Method - este ele desconsidera. Seu caminho é outro: primeiro procura ter cada palavra dos seus diálogos completamente decorada a ponto de não precisar pensar nelas na hora em que a câmera estiver rodando. No set, gasta um tempo prestando atenção e estudando cada movimento que fará, garantindo ao montador a possibilidade de cortá-lo em qualquer sílaba sem risco de ter um garfo ainda na boca ou uma virada de cabeça que não estará no take seguinte. Como uma  máquina bem regulada, com tudo que ele precisa dizer ou fazer no piloto automático, ele pode esquecer sua própria atuação, prestar atenção no que o ator com quem está contracenando está dizendo e, assim,  viver a experiência que está escrita no roteiro. De fato, nós não pensamos em nossas expressões, entonação ou sentimentos ao falar e interagir. É esse desprendimento que ele busca ao tentar automatizar e assim poder esquecer o que tem que fazer.

Essa maneira de se construir um personagem, de fora para dentro, pode soar antiga. Foi justamente em contraposição a essa maneira de atuar que  Stanislavsky, nos anos 1930, desenvolveu seu sistema, que acabou sendo reestruturado por Lee Strasberg no Actors Studio, onde ganhou o nome de Method Acting. Dei muita risada ao ouvir o Moritz falar do Method que, para ele, é mais uma obsessão norte-americana em dar nomes às coisas e de criar um marketing, do que algo que ajude os atores a interpretar de fato.  'Para quê eu preciso saber quem é a avó do personagem se ele está apenas num jantar de trabalho?'

  • Getty Images

    O ator Moritz Bleibtreu em première do filme ''My Best Enemy'' no Festival de Berlim (16/02/2011)

Moritz trabalhou com bons atores que usam o Method e disse que nunca se sentiu tão sozinho em cena.  Esses atores, diz, passam tanto tempo  focados em buscar suas memórias afetivas, a inventar uma história  pregressa para seus personagens, a tentar se transformar no  personagem que simplesmente se fecham naquele mundo e esquecem que existem outros atores em cena e uma história para ser contada.   Na câmera, diz, a coisa funciona, mas para o ator que está ali contracenando é como se não  houvesse ninguém do outro lado, é como contracenar com um autista de onde não vem nada.  Ele mesmo passou um tempo em Nova York aprendendo a trabalhar por este caminho, mas não se adaptou e abandonou o curso.

Fora o prazer de ouvir esta provocação, sempre achei que o difícil numa atuação não é falar mas sim saber escutar o outro, pegar o que veio e devolver com alguma coisa a mais e assim ir construindo a  cena, levando-a para lugares onde só ali, com a câmera rodando, é possível descobrir. Para uma cena ficar boa, ela precisa que todos os envolvidos estejam atentos e sensíveis para deixar que cozinhe um pouco no calor daquele momento entre o ação e o corta.  É ali que brotam os sabores.  Se eu fosse norte americano  eu criaria um método chamado  "Cooking  Acting" e ficaria rico.

Em uma das cenas rodadas, tentei mudar algumas falas do Moritz depois de 3 ou 4 takes filmados, mas elas simplesmente não saíram orgânicas. Então, por sugestão do ator Jude Law, que contracenava, acabamos cortando-as e voltamos ao roteiro original.  Por não estar filmando em  sua própria língua, essas mudanças se tornam mais difíceis, imagino.  De qualquer maneira, no final da cena, que é também o final do filme, Moritz entregou uma performance tão simples, mas tão extraordinária, que minha insegurança em relação àquele final se evaporou. Em silêncio, apenas com os olhos, o alemão colocou um ponto final em '360', como se me entregasse um presente.  Esta eu vou ficar devendo."