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"Meus personagens me ajudam a entender outros aspectos do ser humano", diz Leandra Leal sobre "Estamos Juntos"

ALYSSON OLIVEIRA

Do Cineweb

02/06/2011 12h00

Dando entrevista, Leandra Leal fala pausadamente, mas com empolgação. Sua disposição disfarça bem as complicações que teve poucas horas antes,vindo do Rio de Janeiro para São Paulo, quando seu voo foi cancelado e teve de ficar esperando para embarcar. Com cinco minutos de conversa - e ela parece nem se lembrar disso – a atriz fala do filme “Estamos juntos” com a tranqulidade que lhe parece típica.

De tudo que viveu com sua personagem, a médica-residente Carmen, uma coisa lhe é mais marcante: “A descoberta de que você não é eterno, nem dono do seu destino. A vida acontece”, disse em entrevista ao UOL Cinema. No longa de Toni Venturi, ela descobre que está com uma doença fatal, e começa a repensar sua vida. “Meus personagens podem me ajudar a entender outros aspectos do ser humano”.

Mas se engana quem pensa que Leandra é daquelas que embarcam num personagem e passam a viver a vida dele. “Sou bem racional, não me deixo afetar por meus personagens”. E quando recebe um convite, o que pode a convencer a o aceitar é a equipe com quem vai trabalhar. “Isso é uma das coisas que mais me seduz: quero saber quem vai estar me cercando. Depois, também penso se o trabalho será um desafio, porque não dá para ficar fazendo sempre o mesmo personagem”.

No caso de “Estamos juntos”, que estreia nessa sexta (3) em todo o país, ela passou um tempo no Hospital Universitário em São Paulo, convivendo com equipes médicas. “É uma rotina exaustiva. E percebi que mulheres que escolhem ser cirurgiãs ou trabalhar na emergência são muito fortes”. Ela também explica que essa preparação lhe ajudou a achar o lado mais humano do seu personagem. “Foi possível transformar a interpretação em algo mais orgânico, sugerir mudanças nos diálogos até. Muitas das situações vistas no pronto-socorro do filme eu presenciei de verdade”.

A mudança da personagem, além da doença fatal, vem do contato com o Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), de São Paulo. A própria Leandra já conhecia o movimento, da época em que morou em São Paulo, há alguns anos, mas o filme trouxe a oportunidade de entrar em contato com essas pessoas e os entender melhor. “Eu entendi como é fácil, nessa cidade, uma pessoa acabar sem casa, na rua. Muita gente vem para cá em busca de oportunidades e sonhos, e um pequeno deslize pode colocar tudo a perder. Ninguém vem a São Paulo a passeio”.

Para ela, o filme pode ajudar as pessoas a verem o movimento com outros olhos. “A sociedade e a mídia, muitas vezes, têm uma visão deturpada do MSTC. Eu os admiro muito e acredito que são muito discriminados”, conclui a atriz que, no mês passado, foi premiada no XV CinePE por seu trabalho em “Estamos juntos”. O longa também recebeu outros seis prêmios no Festival, entre eles os de melhor filme, diretor e roteiro.

Sem discurso panfletário

Não é por acaso que o MSTC está no longa de Toni Venturi. O diretor conta que começou a trabalhar no filme há 7 anos e, no meio desse processo, realizou o documentário “Dia de Festa”, que tinha exatamente o movimento como foco. “Quando os conheci foi um impacto muito grande na minha vida. Não podia os deixar de fora do filme. Tentamos trazer a realidade do movimento de forma poética, sem fazer discurso panfletário”.

Venturi conta que ficou tão tocado pelo movimento que desde seu documentário, de 2006, mantém contato com as pessoas do MSTC. “Sempre estou com eles, participo de eventos, palestras, faço campanhas com meus amigos. Acho que é uma necessidade social”. Para ele, “Estamos Juntos” deve ajudar a mostrar a realidade dessas pessoas que são vistas sob uma ótica preconcebida.

São Paulo, aliás, é praticamente um personagem no filme de Venturi, e isso não é por acaso. “Nasci em São Paulo, e nunca tinha feito um filme sobre a São Paulo contemporânea. ‘Estamos Juntos’ veio daquela máxima de Tolstói: ‘pinte sua aldeia e estará pintando o mundo’”.  Para isso, ele sabia que precisava colocar a ação no centro da cidade, que tem uma dinâmica bastante diferente dos bairros. “As outras regiões são muito mais específicas, o bairro mais pobre, o mais rico. Já no centro tudo se mistura, tudo convive”.