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Vida de surfista é tema de documentário feito por estrangeiros em oficina de cinema no Rio

FABÍOLA ORTIZ

Colaboração para o UOL, no Rio

26/07/2011 07h00

Em pleno dia de semana 11h da manhã, a praia de Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, estava lotada. Sob o sol a pino, enquanto turistas e cariocas aproveitavam as férias de julho, um grupo de jovens estrangeiros chamava a atenção com a movimentação num dos pontos mais agitados do Posto 8. Debaixo de três guarda-sóis, o grupo formado por ingleses, americanos, francês, português e dois brasileiros fixavam a pequena câmera digital de não mais de 200 gramas em uma prancha de surfe. Estava montado o set de filmagens para o curta documentário que está sendo produzido por jovens cineastas no projeto chamado Rio Film School, uma escola internacional de cinema que traz estudantes de fora para aprender a técnica audiovisual no Rio de Janeiro.

O UOL acompanhou um dia de filmagens com os alunos, em que o objetivo era gravar o movimento do surfista Anderson Costa, de 23 anos, pegando ondas no mar com sua prancha. Surfista desde os nove anos de idade e frequentador de Ipanema, Anderson foi o personagem escolhido para ter sua história contada no curta. Antes da praia, os alunos já filmaram no Cantagalo na casa dele com a família.

“O grupo escolheu a temática do surfe como forma de transformação e de socialização nesse espaço da praia. A vida do Anderson tem essa conexão direta com a prancha de surfe e o mar”, explicou Luís Carlos Nascimento, diretor e um dos fundadores da escola popular de audiovisual Cinema Nosso, no Rio de Janeiro, que realiza oficinas de produções cinematográficas para jovens que querem mergulhar no universo do cinema. A escola, que surgiu a partir das oficinas de preparação de elenco para o filme "Cidade de Deus", é uma parceria com a escola inglesa International Film School, que faz parte do Master Film Studies Degree da University College London (UCL) e traz jovens estrangeiros para aprender cinema na escola carioca Cinema Nosso. A ideia, segundo Luís Carlos, é fazer do Rio a capital Latino Americana do Audiovisual.

Laboratório de roteiros

Não só estrangeiros vem para o Rio para aprender cinema. É o caso do Laboratório SESC Rio de Roteiros para Cinema idealizado pela produtora Carla Esmeralda. Inicialmente feitos em parceria com o Sundance Institute no Brasil, os laboratórios têm o objetivo de valorizar a função do roteiro na produção cinematográfica e, assim, também dar visibilidade à profissão do roteirista no mercado cinematográfico brasileiro. O laboratório ocorre todos os anos em novembro durante quatro dias e seu grande diferencial, segundo Esmeralda, é a consultoria aos roteiros selecionados com encontros e sessões de cinema com análise. Ao todo, 130 roteiros foram selecionados em 13 edições do projeto, entre eles os roteiros de “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de Marcelo Gomes, que participou do laboratório em 1996, “Durval Discos”, de Anna Muylaert, em 1998, “Cidade de Deus”, de Bráulio Mantovani, em 1999, “Se Eu Fosse Você”, de Carlos Gregório, em 2000, e “O outro lado da rua”, de Melanie Dimantas e Marcos Bernstein, em 2001. Recentemente, os longas “Mutum”, de Sandra Kogut, e “O ano em que meus pais saíram de férias”, de Cao Hamburguer, também tiveram seus roteiros trabalhados no laboratório e participaram dos dos festivais internacionais de cinema de Cannes e de Berlim.

Curtas produzidos irão para festivais

O curso de um mês começou no último dia 11 de julho e recebe 12 jovens, a maioria de estudantes universitários, com idades de 18 a 30 anos. As aulas são ministradas por professores e cineastas do Cinema Nosso que dão também suporte aos estrangeiros para a produção de três curtas documentários. Os filmes produzidos sobre os temas de grafite, surfe e diversidade sexual participarão de festivais de cinema a partir de novembro deste ano.

“Alguns dos alunos já tinham experiência em cinema e outros não tinham nenhuma. É um curso curto de um mês que ensina técnicas de linguagem para documentário e garante a internacionalização da metodologia de trabalho do Cinema Nosso”, disse Luís Carlos. O diferencial, explica o diretor do Cinema Nosso, é que a metodologia consolidada pela escola popular de audiovisual que trabalha há 10 anos com jovens do Brasil pode ser ampliada para outros países. Na primeira turma em 2010, foi produzido o documentário "A Vida no Ritmo" sobre a música da cidade com destaque para o funk da Cidade de Deus, Samba da Pedra do Sal e o hip hop da Lapa. O filme integrou o circuito de curta metragem do “short film corner”  do Festival de Cannes deste ano.

Assista ao curta "A Vida no Ritmo", produzido pela Rio Film School

“Achei que havia espaço para uma escola de cinema na América Latina. O Rio Film School é uma escola internacional de cinema que agora faz cursos de um mês uma vez por ano no Rio de Janeiro”, contou ao UOL o produtor inglês Dorian Needs que é um dos idealizadores do projeto de cinema responsável por trazer os jovens para estudar no Brasil. A diferença do Rio Film School para outras escolas de cinema, destaca Needs, é que o ensino é prático. “A gente trabalha numa produção de verdade, num filme que vai ser produzido, mandado para festivais internacionais e ser exibido no mundo inteiro”, enfatizou.

Além de uma paixão pessoal pelo Brasil, Needs, que fala muita bem o português, afirma que o Rio é uma “cidade extremamente interessante” artística e culturalmente, com muitas estórias para contar. “É incrível, eu sempre digo que aqui no Rio dá para sair com uma câmera na rua e todo dia vai ter um filme bom e diferente”. Na próxima edição do ano que vem, Needs quer dobrar o número de inscritos e trazer 30 alunos. Para o produtor inglês, este é o modelo de uma escola internacional de cinema que pode ser adaptado para outros lugares. “Nos próximos anos já temos possibilidades de filmar em Paraty, mas precisamos de apoio financeiro para crescer”, afirma Needs que está buscando mais parceiros para realizar seu sonho.

Mesmo sem falar inglês, Anderson, o surfista do Arpoador, disse estar vivendo uma experiência diferente. Ele é o personagem do documentário que trabalha a temática do surfe. Anderson foi descoberto pela equipe de produção do curta e logo topou o desafio. “Me convidaram para participar do filme e contar um pouco da minha história. Ontem fizeram gravações no Cantagalo, como eu vivo, o meu dia a dia. Hoje estou atuando na água e mostrando aqui na praia um pouco do surfe que é o esporte que eu pratico”.

Anderson contou não ter sido difícil se acostumar com uma câmera a registrar seus movimentos. Até na água uma mini câmera acoplada a sua prancha registra as ondas que pega. “Pesa um pouco, mas é prazeroso, nada que o equipamento atrapalhe a minha manobra radical. Hoje o mar está flex com poucas ondas, mas vou me esforçar para fazer uma boa filmagem”, ressaltou o surfista.

Criação coletiva no Maranhão

A Universidade Federal do Maranhão sedia outro projeto de criação coletiva com estudantes de comunicação, um trabalho de investigação desenvolvido na oficina audiovisual de Alcântara realizada pela cineasta Eliane Caffé, que ocorreu de maio a agosto de 2010, através do Programa Interações Artísticas em pontos de Cultura, da Funarte. Esta experiência inédita da diretora resultou no documentário “Céu sem Eternidade” (70 min). Realizado coletivamente pelas comunidades quilombolas de Alcântara e estudantes da UFMA, o experimento é um ensaio audiovisual de caráter poético e antropológico sobre as múltiplas facetas do conflito de mais de 30 anos entre os quilombolas e o Programa Espacial Brasileiro.

Estilo brasileiro

O americano Harmon Clark, de 27, da Califórnia, já trabalha há sete anos com cinema mas queria passar por uma experiência de estudos fora dos Estados Unidos e descobrir outras formas de fazer filmes no mundo. “Busquei no Japão, na Europa, na África e a Rio Film School me chamou a atenção porque eles faziam documentários, trazem pessoas de todas as partes e os reúnem no Rio”.

“É um programa incrível. Para mim é diferente, pois eu tenho a oportunidade de ver uma nova perspectiva de se fazer um filme. O estilo brasileiro é muito visual as estórias são visuais. Nos EUA, as estórias são mais baseadas em encenações de teatro adaptadas para os scripts. Já trabalhei com realizadores brasileiros e havia alguma coisa especial na estilo deles e queria vir para experimentar isso tudo. Aqui é uma atmosfera completamente diferente. Em Los Angeles, os produtores e cineastas se preocupam mais com o filme comercial e não com o filme artístico. O lado artístico acaba se perdendo e, por isso, eu vim para o Brasil”, contou Clark.

Além dos alunos, a equipe de profissionais de cinema que ministra o curso também conta com estrangeiros no seu quadro. É o caso do documentarista português Carlos Eduardo Leitão da Silva, de 30 anos, o Calika, que é professor da Rio Film School pela segunda vez consecutiva. Calika explica que a maior limitação é o tempo, depois de um mês os estudantes vão levar para casa o curta pronto e finalizado. Os alunos tem cerca de uma semana e meia de pré-produção, depois as filmagens são feitas ao longo de uma semana, período em que os alunos também tem aulas teóricas de iluminação, enquadramento, som e funcionamento dos equipamentos. E depois, não mais de uma semana e meia para edição.

  • Fabíola Ortiz/UOL

    Para as gravações, uma pequena câmera digital foi fixada na prancha de surfe (18/7/2011)

“Cada um (dos alunos) tem as suas ideias, talvez o mais complicado seja conciliar todas elas. É preciso pensar qual é a mensagem que se quer transmitir, não é só a câmera, é preciso enquadrar a imagem e passar a mensagem”, salientou. Apesar de haver uma preparação com roteiro e detalhes de gravação, há sempre imprevistos que os jovens aspirantes ao cinema tem que aprender a lidar. “Nunca sabemos o que vai acontecer, que personagens vamos encontrar e eles tem que saber lidar com os imprevistos, como a falta de ondas hoje no mar, por exemplo. Vamos ter que voltar outro dia para filmar de novo”.

Os curtas irão participar em novembro de festivais como o Festival de Filmes Latinoamericanos de Londres (“London Latin American Film Festival”), o Festival de Cinema de Londres (“London World Film Festival”) e o Festival de Documentário Internacional de Amsterdam (“IDFA – International Documentary Film Festival Amsterdam), o maior festival de documentário do mundo que, este ano, homenageia o Brasil.